quinta-feira, 25 de abril de 2013

Resenha: “Simonal – Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”, de Gustavo Alonso


Resenha: “Simonal – Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”, de Gustavo Alonso

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Editora: Record
Páginas: 476
Lançamento: 2011
Nota: 4,5/5
A exclusão social talvez seja a maior forma de apagamento de uma figura, tanto da sensibilidade quanto da história de uma época. É possível que, por conta disso, muitas pessoas passem a vida não tentando produzir obras ou feitos, fazendo com que aquilo que mais tem de precioso, o valor que durante a vida agregou ao seu “eu”, seja visto e valorizado pelos demais. Também talvez seja por esse fato que algumas civilizações têm como forma de castigo a um “pária” a total exclusão desse sujeito com quem ninguém pode falar, ajudar e nem mesmo matar: sua inexistência é sua própria pena, e é eterna. Sobre esse assunto existe apenas uma certeza que não se pode perder de vista: a gente nunca sabe quem tem razão. É com essa breve reflexão, que não faz jus à obra, que começo minha análise de Simonal – Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga, de Gustavo Alonso.
Nas 472 páginas de uma leitura de imenso fôlego, com uma densidade poucas vezes vista nas biografias literárias e de períodos de nossa história, Alonso faz uma monumental análise de diversos elementos que compõe nossa cultura desde o fim da década de 50 até os dias de hoje, tendo como norte a vida de Wilson Simonal, o principal cantor “maldito” da geração de artistas da então recém-nascida MPB. Pretendo analisar aqui alguns dos elementos estudados por Alonso e perceber como, com brilhantismo, ele conseguiu mapear toda uma geração em conflito sem cair nos elogismos ou criticismos comuns aos historiadores do tema.
Alonso começa o livro contando o fato célebre de Simonal, no Maracanãzinho, quando conduziu 30 mil pessoas em um enorme coro cantando em diferentes vozes “Meu limão, meu limoeiro”, ressaltando que esse foi um marco tanto da vida de Simonal quanto na música e cultura brasileira. Isso foi em 69 e mal sabia Simonal que seus dias de sucesso estavam contados. Para se entender é preciso repensar alguns de nossos conceitos sobre a cultura nacional:
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O autor percebe que o título MPB é fundado por uma noção estético-política dos músicos que se reuniram numa lógica que era pautada basicamente por um discurso de “resistência” à ditadura.  Esse movimento de “resistência”, encabeçado por intelectuais, universitários e esquerdistas, quase todos concentrados na Zona Sul carioca, foram oficializados como discurso norteador do que seria o “bom gosto musical” da geração. Assim, a população e, por conseguinte, os artistas e músicos, eram divididos em dois discursos: resistentes ou coniventes. Esse perigoso e autoritário discurso oficial proferido pela esquerda brasileira, composto pelos músicos da MPB, tinha como função, primeiro assegurar seu espaço dentro da cultura e depois rechaçar todo o tipo de obra que eles achavam de teor “alienante”. No entanto, o cenário musical não parecia corroborar com eles: por um lado, havia os rapazes da Jovem Guarda de Roberto e Erasmo, de outro o movimento Tropicalista de Caetano, Gil, Tom Zé, Dubrat e Os Mutantes, e ainda em uma outra via havia os debochados, irônicos e descompromissados da Pilantragem, entre eles Wilson Simonal.
O que acontece é que tanto a Jovem Guarda quanto a Tropicália foram inseridos na lógica da resistência. Caetano e Gil, após o exílio, foram recebidos de braços abertos por aquela MPB de Chico Buarque, Edu Lobo, Elis Regina, e assim, trouxeram na mala Roberto eErasmo a quem defendiam desde sempre com veemência. A Bossa-Nova instituída se tornou a base referencial de todos esses músicos, agora formando a imensa tribo da MPB.
A Pilantragem, no entanto, ficou excluída. Pilantragem era um movimento cultural, que se assemelhava à Tropicália e pretendia mesclar o suingue musical brasileiro com arranjos, instrumentos e temáticas americanas. No entanto, seu discurso não era politizado ou rebuscado como dos baianos, mas voltado para a troça, pra ironia, com temas sobre mulheres, carros e a boa vida. E claro, muita alegria e vontade de se louvar as maravilhas do Brasil.Carlos Imperial, um dos cabeças pilantras, dizia que a Pilantragem “é a apoteose da irresponsabilidade consciente.” Diz Alonso“O negócio era botar a banca, debochar ironizar os politizados, os intelectualóides. Devido a essa postura, Simonal e, especialmente, Carlos Imperial ficaram tachados de metidos.”
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A verdade é que Simonal era, sim, metido. Fazia a pinta de negro poderoso, com colares, ternos, fala malandra e estilo prepotente. Preocupado apenas, como ele mesmo diz, em vender discos, não se preocupava com o discurso da esquerda que obrigava toda música produzida no momento a ser triste, de pesar e de luto por conta do golpe. Simonal não via problema em louvar o Brasil durante o tempo da ditadura e achava que isso era problema dos políticos.
Alonso mostra que isso era bastante comum na sociedade da época, mas sempre vista pela classe média por uma espécie de “culpa”, ou seja, os mesmos rapazes de esquerda, da música de protesto, tinham uma vida burguesa que ascendia, com carros do ano e tudo mais, e isso gerava uma necessidade redobrada de esforço político e estético para purgar esse sentimento coletivo. O autor ressalta que há um movimento duplo de “tradição e modernidade” na MPB. Cabia a eles resgatar os heróis do passado como Noel Rosa, Nelson Cavaquinho, Cartola, os nomes da “grande música brasileira, do samba de raiz” e por outro empreender pesquisas inovadoras e estéticas. Era dois passos atrás e dois pra frente, e a música se mantinha no mesmo lugar. Criou-se assim, dentro da música brasileira um “mito de resistência”.
A exclusão sumária de Simonal da história da música vem, por um lado, por essa posição dele de homem prepotente e mal visto, por outro pelo caso do DOPS em que pediu a uns amigos que, sob tortura, fizesse com que seu contador, que vinha lhe tirando dinheiro, assinasse uma comprovação de culpa. No entanto, seu papel de párea da música brasileira se faz por uma conjunção de fatores que perpassam toda nossa cultura: as questões raciais, as questões sociais, o preconceito entranhado na nossa lógica, a violência da ditadura, o autoritarismo dessa esquerda combatente, o discurso oficial cultural da Zona Sul carioca. E assim, passo a passo apareceu como o “bode-expiatório” da geração. Cito o autor:
“Em diversos momentos as sociedades escolhem bodes expiatórios de forma a melhor conviver com os próprios problemas. Muitas vezes o escolhido “tem culpa no cartório”, mas sua pena é sempre desproporcional à acusação. Assim, o “bode” explica a culpa da sociedade, que, ao delimitar um réu, aparentemente implode seus males coletivos.”
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Wilson Simonal, o cantor de sucessos como Sá MarinaNem Vem que Não TemMamãe Passou Açúcar em Mim, foi o escolhido da geração de 60, 70 e gradualmente, após a breve prisão pelo caso com o DOPS, foi chamado de “dedo-duro” da ditadura. Sem que nunca fosse comprovado nada contra ele, o discurso se espalhou e, entregue ao álcool, não conseguiu mais a retomar a carreira nos níveis da década de 60, nem ser reconhecido no “panteão” dos grandes nomes da nossa música. Sua exclusão é tão grande, que nem a Pilantragem é reconhecida como movimento. Sua vida, sua obra se tornou nota de canto de página.
Gustavo Alonso, por fim, aponta que os chamados “erros” de Simonal faziam parte de grande parte da população: sem serem apoiadores do golpe militar, não eram também grandes críticos e levavam sua vida, como disse Ivan Lins, na “corda bomba”, com a alegria de viver brasileira foi proibida pela nata da MPB. Essa seriedade imposta foi bem criticada por Tom Zé (outro que em algum momento foi excluído e só renascido por David Byrne) emComplexo de Épico:
Todo compositor brasileiro
é um complexado.
Por que então esta mania danada,
esta preocupação
de falar tão sério,
de parecer tão sério
de ser tão sério
de sorrir tão sério
de chorar tão sério
de brincar tão sério
de amar tão sério?
Ai, meu Deus do céu,
vai ser sério assim no inferno!
Ao final, o que se conclui é que a culpabilidade de Simonal é pouco relevante para analisar sua carreira ou a música brasileira da década de 60 e 70, uma vez que o “ser ou não ser” shakesperiano não produz nenhuma resposta eficaz. O importante, no caso, é que se retire a carreira e o nome de Simonal da lama em que foi inserido, sem que no entanto, se reconfigure o discurso oficial da MPB: pra ter o lugar que merece em nossa história, Simonal não precisa ser inocentado, perdoado nem anistiado, pois mesmo que tenha havido alguma culpa, ela já foi mais do que expiada no decorrer de sua vida. A questão aqui é colocar luz onde há escuridão e mostrar que a multiplicidade de movimentos musicais brasileiros, incluindo a Pilantragem, não podem ser soterrados por conta da formatação de um discurso oficial de uma minoria culta e detentora do grande poder da nossa civilização que é a cultura.

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segunda-feira, 15 de abril de 2013

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Foi criada uma página no Facebook para o livro "Simonal: quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga".  Acesse AQUI.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Participação no Sem Censura

Amigos, quando lancei meu livro "Simonal: quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga" fui convidado para o programa Sem Censura, da TVE, sob apresentação da Leda Nagle.A entrevista foi exibida em 08/09/2011. O vídeo do programa já se encontrava na net, mas agora editado somente com minha participação. É uma aula de como não se deve fazer uma entrevista! Eita Leda Nagle! Quem salvou a entrevista foi o Arlindo Cruz... Confiram! Ahahahahaaahhhaa Segue o link: chttp://www.youtube.com/watch?v=AWAdouSn8lc