sexta-feira, 8 de março de 2013

Boa resenha de autoria de Rodrigo Zafra sobre o meu livro "Simonal: quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga" publicado no site Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/resenhas/204226
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Simonal: o cantor que o Brasil condenou

Rodrigo Zafra 25/01/2013   


 
No Brasil dos anos 80, da passagem do regime ditatorial para o presidencialismo, a anistia, ampla e irrestrita, para os militares e civis, englobou a quase todos, com exceção de um homem. Para este, de nada adiantaria uma lei a suavizar os efeitos de quase 20 anos de excessos – de ambos os lados – se seu julgamento e condenação vieram por meio da sociedade, que o fez de bode expiatório. Estamos falando do cantor Wilson Simonal de Castro, ou simplesmente Simonal, que tem sua vida e o ambiente que o cercou esmiuçados na substanciosa biografia “Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”, de Gustavo Alonso.

Nosso povo, tão carente e tão devoto de ídolos, também é capaz de ser cruel e execrar aqueles a quem considera personas non gratas, buscando, em último recurso, expeli-los da memória nacional. Durante quase três décadas foi assim com Simonal, até a sua morte, em 2000. Impossível que, mesmo as gerações mais novas, não conheçam a história que ficou cravada junto ao seu nome: a de que ele era informante da Ditadura Militar e ajudou a delatar artistas. Mas, aos poucos, a história vai sendo revolvida, e muito da certeza de “culpa” atrelada ao cantor vai caindo por terra. Um trabalho lento, que não atinge grande parte da população, porém eleva a nossa história a novos patamares.

Foi assim com o vibrante documentário “Simonal – ninguém sabe o duro que dei” (2009), de Micael Langer, Calvito Leal e Cláudio Manoel, onde vemos as performances de Simonal com suas músicas, ouvimos depoimentos de personalidades que conviveram com ele, e somos apresentados ao depoimento exclusivo do ex-contador do cantor – o pivô de uma situação que leva à história atrelada por tanto tempo ao nome Simonal. Neste “Quem não tem swing...” (Editora Record, 2011), somos levados a uma viagem no tempo através de uma excelente pesquisa e compilação de como era o Brasil e, principalmente, a área cultural nas décadas de 60 e 70. Um trabalho de fôlego, repleto de referências, que procura, por meio de paralelos, mostrar que, no período, situações enfrentadas pelo cantor ocorreram com outros artistas, mas cada um teve tratamento diferente, seja pela mídia, pelos colegas de profissão ou pelo público.

Ao contrário do que se possa pensar – e que é refutado veementemente pela pesquisa –, Simonal não sofreu preconceito racial. Mesmo que em entrevistas concedidas alguns anos antes de sua morte ele tenha abordado a questão, mais para tentar despertar compaixão, e tenha levantado a bandeira com a música Tributo a Martin Luther King, em parceria com Ronaldo Bôscoli ([…] Cada negro que for/ Mais um negro virá/ Para lutar/ Com sangue ou não/ Com uma canção/ Também se luta irmão [...]), essa tese não pode ser usada para se entender sua brusca e acentuada queda.

Ao longo do texto, somos levados a, se não concluir cabalmente os motivos que fizeram de Simonal indesejável para a esquerda e a direita nacional, no mínimo compreender o período por meio de uma gama enorme de informações e detalhes contextualizados pelo autor minuciosamente. Para isso, Gustavo Alonso cria relações interessantes ao analisar o papel do cantor em foco com o de outros famosos que não necessariamente eram ligados às esquerdas ou de apoio ao regime, como no caso de Chico Buarque e Pelé. No caso do primeiro, o processo de construção de sua persona midiática, de apoio a luta contra o regime ditatorial, se deu à revelia do próprio Buarque, favorecido tanto pela imprensa quanto pelos colegas cantores engajados, mas este soube aproveitar o momento e usá-lo bem em seu proveito, tendo ficado marcado na memória dos brasileiros como o principal cantor da resistência. No caso do segundo, mesmo nunca tendo levantado a bandeira contra o racismo ou pouco se posicionado quanto a outra questão social, e sendo por diversas vezes atacado pela turma do jornal Pasquim por sua falta de engajamento, Pelé sempre foi visto como um ídolo, independentemente de seu quase nulo posicionamento em relação às mazelas sociais. Fatos como estes abordados – falta de engajamento com a esquerda e de questões sociais – foram relevados no caso de outros famosos, mas amplamente utilizados contra Simonal.

Resumindo a questão, Simonal, um dos cantores de maior apelo popular no final dos anos 60 e início dos 70, dono do maior contrato de publicidade já assinado por um artista nacional, foi acusado por seu ex-contador de tortura, e de ter utilizado policiais do DOPS para isso. Simonal acusava, anteriormente, o então contador de estar lhe dando desfalques que estavam minando suas finanças. A partir daí, o caso virou de polícia, repercutindo imediatamente para a imprensa. Esta, por sua vez, remexeu o assunto maciçamente, principalmente após o cantor virar réu de um processo em que era acusado de ser mandante da tortura contra o ex-contador. Para piorar, uma declaração de Simonal em delegacia, na qual dizia ser há muito informante do DOPS, foi veiculada pelos jornais, repercutindo negativamente no público. Isso foi em 1970, e desde então a carreira de Simonal entrou em ostracismo.


Além dessas questões, a carreira artística e os fatos bons na vida de Wilson Simonal, também são analisados em detalhes, para deleite de quem já é fã do cantor, ou para surpresa de quem teve pouco ou nenhum contato com a obra do líder da chamada “Pilantragem”, termo cunhado por Carlos Imperial – principal mentor do movimento e descobridor do talento de Simonal. Sobre a “Pilantragem”, vale ressaltar a importância histórica e maior apelo popular à época que outro movimento contemporâneo encabeçado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, a “Tropicália”. Por causa da bem sucedida tentativa de apagar Simonal da memória popular, a “Pilantragem” também foi esquecida, não sendo lembrada – ou pouco dito a respeito – nos livros sobre música popular brasileira.

Dono de uma voz poderosa, Simonal passeava por múltiplos estilos musicais. Sabia escolher repertório de apelo popular e ao mesmo tempo de qualidade, o que só fazia a venda de seus discos continuamente aumentar. Além disso, era capaz de interpretações marcantes e ímpares, a ponto de interferir nas letras e formas de cantar suas canções (“País Tropical, de Jorge Ben, é o exemplo mais notório). Simonal foi, com seu estilo esbanjador e sem se importar com as consequências, seu principal amigo e inimigo. Esquecido pela história até pouco mais de uma década atrás, hoje seu legado, muito por interferência direta dos filhos – Simoninha e Max de Castro –, vem sendo resgatado. Fato é que no encerramento das Olimpíadas de Londres, Simonal veio à tona: Seu Jorge interpretou, para o Brasil e para o mundo, “Nem vem que não tem”.


Com mais de 450 páginas, o livro do historiador Gustavo Alonso é fruto de um trabalho de conclusão de curso de seu Mestrado em História pela Universidade Federal Fluminense em 2007. Conta com extensa pesquisa bibliográfica, em jornais, revistas e vídeos, e entrevistas de campo. Louvável o trabalho da editora ao manter o estilo acadêmico de formatação do texto, sem querer partir para um apelo mais “comercial”, o que certamente acarretaria prejuízo ao texto e não teria sentido sem as múltiplas referências que dão a base. O livro é dividido em capítulos. Os pares funcionam como uma minibiografia de Simonal, desde seu nascimento até o início da vida musical. Os ímpares reconstituem o período de ascensão e queda do cantor, bem como o ambiente e os personagens contemporâneos. Ao final, reúne anexos como a entrevista de Simonal ao Pasquim, documentos do DOPS e a sentença final do processo no qual foi réu. Há ainda a discografia completa.

“Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga” é livro fundamental não só para quem quer rever ou conhecer a obra do cantor; é um inventário histórico de um período que precisa ser resgatado em detalhes, para que não se fique apenas com a verdade oficial dos livros de história e suas generalizações – perdedores e vencedores, como comumente acontece. Nisso, este livro passa longe. E mais perto da verdade do que muita gente gostaria.
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