terça-feira, 2 de junho de 2009

Pilantragem não foi soh Simonal, não!

A Pilantragem vai além de Simonal, galera! se é para "reabilitar" o homem é bom que lembremos também do gênero que ele ajudou a criar no Brasil! Embora Simona tenha sido a figura mais importante do movimento da Pilantragem, é bom lembrar que varios artistas se envolveram naquela "moda"!

Simonal foi apagado da musica popular em grande parte por causa da Pilantragem, vista como uma besteira, uma simples brincadeira, musica sem pretensões, ingenuidades num periodo de "Caminhando e Cantando" e "Apesar de vocês"...

Roberto Carlos e o Tropicalismo também foram criticados pelo mesmo motivo nos anos 60, mas conseguiram sobreviver!
esse odio à Pilantragem perdura até hoje: olhem o que a cantora Joyce escreveu no blog dela sobre a Pilantragem! http://outras-bossas.blogspot.com/

alguns discos da Pilantragem podem ser baixados através do http://loronix.blogspot.com/
Discografia da Pilantragem

Som Três
(Cesar Camargo Mariano, Sabá e Toninho Pinheiro
· Som Três: "Na onda do sambarock". RGE, 1966.
· Som Três Show. Odeon, 1968.
· Som Três vol. II. Odeon, 1969.
· Som Três vol. III – “Um é pouco, dois é bom...”. Odeon, 1970.
· Som Três vol. IV – “Tobogã”. Odeon, 1970.
· Som Três (Coletânia). Odeon, 1971.

A Turma da Pilantragem
(Nonato Buzar, Regininha, Malu, Dorinha entre outros)
· O som da pilantragem. Polydor-CBD, 1968.
· O som da pilantragem nº 2. Polydor-CBD, 1969.
· O som da pilantragem internacional. Polydor-CBD, 1969.

Carlos Imperial
· Pilantrália com Carlos Imperial e a Turma da Pesada. Parlophone, 1968.

Erlon Chaves
· Banda Veneno de Erlon Chaves. Philips, 1971.
· Banda Veneno Internacional. Fontana, 1972.
· Banda Veneno Internacional vol. 2. Fontana, 1972.
· Banda Veneno Internacional vol. 3. Fontana, 1973.
· Banda Veneno Internacional vol. 4. Fontana, 1974.
· Banda Veneno Internacional vol. 5. Fontana, 1974.

Os diagonais
(Genival Cassinao, Hyldon, Luizão)
· Os diagonais. CBS, 1969.
· Cada um na sua. CBS, 1971.

Regininha
· Me ajuda que a voz não dá – Regininha. Polydor-CBD 1969.

Os Pilantocratas
(Wagner Tiso, Paulo Moura, Pascoal Meirelles, Oberdan Magalhães)
· Pilantocracia. Gravadora desconhecida. 1969.
Marcos Moran
* Compacto Simples, Caravele, 1968
Musicas:Banho de sorvete (Carlos Imperial) bye, bye (Carlos Imperial)
* Compacto Simples, Musidisc, 1970
Musicas:Ui, ui, ui (Marcos Moran)Call me (vs. Marcos Moran)
LINKS para DOWNLOAD
Lp do Som Três, o grupo de Cesar Camargo Mariano.
disco de 1969 do Som Três estah aqui:
outro do Som Tres de 1969 tb:
Banda Veneno e Erlon Chaves:
Turma da Pilantragem, de Nonato Buzar
aqui tem alguns discos do Simonal:
Pilantocratas, 1969.
LP. Carlos Imperial e a Pilantralia!
Adolfo e a Brazuca.
O disco de Jorge Ben de 1969 tb estah dentro do espirito da Pilantragem
Os diagonais, grupo influenciado pela Pilantragem
Banda Black Rio, cujo o fundador, Gerson King Combo, era dublê de Simonal http://loronix.blogspot.com/2006/06/banda-black-rio-saci-perere-1980.html
Geraldo Vespar, guitarrista da Pilantragem, era um violonista classico:
Marcos Moran gravou um disco de samba nos anos 1970 que vale a pena dar uma olhada!

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Audio do Podcast da Bravo!

Em maio de 2009, a revista Bravo! fez um podcast comigo sobre a carreira de Simonal!

Revista Bravo! maio de 2009

apesar do erro no meu nome e citação que eu não fiz, aqui está a reportagem da Bravo! sobre o filme.
O Ídolo Linchado

O filme Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei joga luz sobre um dos episódios mais cruéis da história brasileira. E responde à pergunta: afinal, o cantor era ou não informante da ditadura?

Por André Nigri

No dia 7 de setembro de 1971, o jornal carioca O Pasquim publicou um dos cartuns mais cruéis da história da imprensa brasileira. No desenho, vê-se a mão de um homem com o dedo indicador esticado, apontando para alguém. No texto que acompanha o cartum, lê-se: "Como todos sabem, o dedo de Simonal é hoje muito mais famoso do que sua voz. A propósito: Simonal foi um cantor brasileiro que fez muito sucesso no país ali pelo final da década de 60". O desenho tem uma pitada de racismo, e o texto, um teor tragicamente profético. Racismo: a mão é negra. Profecia: de 1971 até sua morte, no ano 2000, o cantor Wilson Simonal viveu uma situação ímpar no show business brasileiro. Pelo "crime", jamais provado, de que teria sido informante da ditadura (daí o dedo do delator desenhado pelo Pasquim), teve o pior castigo que um artista pode sofrer: o ostracismo. As gravadoras, a televisão e as casas de show lhe fecharam as portas. Com a carreira violentamente amputada, Simonal mergulhou na depressão e no alcoolismo. Isso depois de ele ter se consagrado como o maior artista pop de seu tempo, rivalizando com Roberto Carlos. Nos 29 anos em que o cantor sobreviveu à tragédia pessoal e artística, até sua obra foi esquecida. "Eu não existo na história da música popular brasileira", costumava dizer à segunda mulher, Sandra Cerqueira. O nome Simonal deixou de evocar suas músicas. A menção a ele em rodas de conversa trazia sempre à tona uma pergunta infalível: afinal, ele delatou mesmo?
A melhor resposta já dada a essa questão está no documentário Simonal — Ninguém Sabe o Duro que Dei, dirigido por Claudio Manoel (um dos integrantes do humorístico Casseta & Planeta), Micael Langer e Calvito Leal, que estreia nos cinemas neste mês. A verdade sobre Simonal emerge de uma miríade de depoimentos sensacionais, alguns verdadeiros furos de reportagem, que permitem ao espectador reconstituir com alguma precisão a verdade sobre o cantor. Antes de mergulhar fundo no momento que transformou radicalmente a vida de Simonal, no entanto, o filme se dedica a mapear sua trajetória e mostrar a dimensão de seu sucesso. Wilson Simonal de Castro nasceu em uma favela da zona sul do Rio de Janeiro, filho de uma empregada doméstica que trabalhava em residências em Ipanema e no Leblon. Sua vida começou a mudar quando o adolescente que não havia tido a oportunidade de estudar entrou para as Forças Armadas. Lá, descontraía os colegas recrutas cantando. Foi então descoberto pelo produtor musical Carlos Imperial (1939-1992), o mesmo que lançara Roberto Carlos no início da década de 1960. Em poucos anos, Simonal se transformou em um dos cantores mais populares do Brasil, tendo como único rival justamente o "rei" Roberto Carlos.
Numa das muitas cenas incríveis do documentário, Simonal aparece cantando para uma plateia de cerca de 30 mil pessoas no Maracanãzinho, numa época em que cantores só lotavam pequenas boates e teatros. O show fez parte da final do Festival de MPB da TV Record em 1969. O sucesso se devia, em parte, a seu carisma no palco. Simonal, mais do que um cantor, era o que os americanos chamam de entertainer, um showman talentoso e irresistível. Balançando os braços, ele levava a multidão a cantar como um maestro rege seus músicos. Em outra cena antológica do filme, aparece cantando em inglês ao lado de Sarah Vaughan, àquela altura considerada uma das maiores intérpretes do mundo (Simonal não falava inglês, mas com o ouvido privilegiado tirava as letras foneticamente). Fora dos palcos, o cantor ainda aparecia em comerciais de televisão. No fim da década de 1960, ele se tornou garoto-propaganda da petrolífera Shell, no maior contrato de publicidade assinado até então por uma celebridade brasileira. Seu modo de vida era de um popstar da época. Gastava o que ganhava em carros importados (tinha três Mercedes-Benz; Roberto Carlos, uma) e bons uísques e vivia cercado de mulheres lindas.
A tragédia começou em meados de 1971. O cantor viu sua conta bancária emagrecer e resolveu dar uma olhada na contabilidade da sua empresa, a Simonal Produções. Desconfiou que seu contador, Raphael Viviani, o estava roubando. É nesse momento que, com base nos depoimentos, é possível reconstituir com relativa precisão o episódio que mudou a vida do cantor. Em sua primeira entrevista longa em quase 40 anos, Viviani conta que foi procurado em casa por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Negando-se a assumir o roubo, foi levado para um dos muitos porões da ditadura. Apanhou, levou choques elétricos e acabou assinando a confissão de que havia, sim, desviado dinheiro. Segundo Viviani, na manhã que se seguiu à noite de torturas, o próprio Simonal apareceu no Dops — um indício de que os gorilas do regime teriam agido a mando dele.
Colocado em liberdade, Raphael foi prestar queixa em uma delegacia de polícia. Poucos dias depois, o caso ganhou as páginas da imprensa. Um inspetor, Mário Borges, deu uma entrevista dizendo que Simonal era informante do Dops — a afirmação sem provas que, amplificada, acabou ganhando contornos de verdade e destruindo a carreira do cantor, que nada fez para desmenti-la na ocasião. Ao contrário. Pressionado, o próprio Simonal deu entrevistas dizendo ser "de direita". Pior: justificou o fato de ter procurado o Dops usando uma história mirabolante. Acusou o contador de ser terrorista, tendo feito ameaças de atentado a ele por telefone. Segundo Viviani, Simonal teria sido orientado por um mau advogado a lançar mão de tal disparate. O contador faz questão de frisar, também, que nunca roubou — diz que as finanças do músico começaram a minguar quando a Shell rompeu o contrato com ele.
Pela surra encomendada, Simonal foi investigado e condenado em 1972 a cinco anos e quatro meses de prisão, cumpridos em liberdade. A pena, no entanto, foi o de menos. O pior foi o castigo imposto pela chamada "esquerda intolerante" — na expressão usada pelo falecido deputado Paulo Alberto Monteiro de Barros, o Artur da Távola —, que se aferrou à versão de que Simonal era delator, embora não houvesse nenhuma prova disso. De acordo com depoimentos dos filhos de Simonal, Simoninha e Max de Castro, vários artistas da MPB ligaram para casas de espetáculo ameaçando nunca mais tocar nos estabelecimentos caso shows do pai fossem contratados (os dois músicos não mencionam nomes). José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então um dos diretores da TV Globo, conta no filme como o cantor acabou banido também dos programas da emissora, embora não houvesse ordens expressas para isso. Segundo ele, a antipatia por Simonal era grande entre os roteiristas e diretores dos programas, motivo pelo qual ele não era mais convidado.
O ostracismo resistiu à redemocratização do país. Em 1995, Simonal chegou a procurar a Secretaria de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique em busca de um "nada consta" do Dops — ou seja, um documento que atestasse que ele nunca havia trabalhado, formal ou informalmente, para o órgão da repressão. Conseguiu-o, mas na época ninguém quis saber. Nas dezenas de depoimentos que compõem o filme, não se encontrou ninguém que soubesse de denúncia ou delação feita por Simonal, o que mostra que a afirmação leviana do inspetor Mário Borges era apenas isto: afirmação leviana. Capaz, no entanto, de destruir uma carreira de forma definitiva. Em 2000, Simonal morreu de falência hepática decorrente do uso compulsivo de bebida.
As duas mortes de Simonal — a primeira em 1972, com seu banimento como cantor, e a segunda em 2000 — começam a suscitar inúmeras análises. De acordo com o historiador Gustavo Alves Affonso Ferreira — que prepara um livro sobre o cantor, a ser lançado ainda neste ano pela editora Record —, havia dois lados bem definidos no fim dos anos 60. De um deles, estavam os generais e todo o simbolismo de que se cercavam ou era associado a eles: o tricampeonato da seleção brasileira na Copa do México, em 1970, o ufanismo dos desfiles militares, o "Brasil grande" com seus ícones, como a rodovia Transamazônica, a usina nuclear de Angra dos Reis e alguns cantores. Estes, identificados como bregas, não incomodavam a esquerda. Do outro lado, no "Brasil do bem", estavam os artistas eleitos pretores da resistência, mesmo sendo tão díspares como Caetano Veloso e Chico Buarque. E, meio fora desses dois mundos, havia Simonal. Definitivamente, ele não era brega: cantava ao lado de Elis Regina e Jorge Benjor e era parceiro de Roberto Menescal. Fazia parte do time de frente da MPB com sua música suingada, muito dançante e bem cantada. Talvez tenha sido essa a sua desgraça.A esquerda da época precisava de um Judas para malhar, e Simonal, com sua origem humilde, parecia não compreender o momento histórico. Sua mensagem política se resumia a exibir a pele negra e dizer que um sujeito de cor, nascido na favela, podia chegar ao sucesso. O linchamento de Simonal, assim, acabou sendo uma maneira enviesada de enxovalhar o regime. Para entender o que se passou, pode-se pegar de empréstimo, por fim, uma ideia do escritor e ensaísta italiano Roberto Calasso. Segundo ele, há momentos históricos em que a sociedade repete um rito primitivo de linchamento para expiar a própria culpa. Esse ritual se dá, metaforicamente, na forma de uma rodinha de pessoas em torno de um cadáver. Quem participa da rodinha pertence a uma seita vastíssima de devotos, inerme e persecutória, que Calasso chama de "Opinião Pública". Pode-se dizer que, nos anos 70, quem estava no centro da roda era Wilson Simonal.O FILMESimonal — Ninguém Sabe o Duro que Dei, de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal. Estreia prevista este mês.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Simonal no Jornal do Brasil

JB 27/04/2009

De volta aos verbetes:
Livros oferecem diferentes leituras sobre Wilson Simonal

Ricardo Schott, Jornal do Brasil

RIO - Artista que rivalizava em êxito com Roberto Carlos no fim dos anos 60, o cantor Wilson Simonal (1939-2000), homenageado com o filme Simonal: Ninguém sabe o duro que dei, de Claudio Manoel, Calvito Leal e Micael Langer (em cartaz no dia 15 de maio), mesmo com todo o sucesso, foi relegado a bem mais do que o ostracismo. Após a acusação de delatar artistas de esquerda – causada pelo fato de, em 1972, ter chamado amigos policiais do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) para pressionar seu contador Rafael Viviani, a quem acusara de roubo – foi tirado dos verbetes sobre MPB, como se nunca tivesse existido. Trazê-lo de volta à literatura sobre música é o objetivo do jornalista Ricardo Alexandre, diretor de redação da revista Época e ex-editor da Bizz, e do historiador Gustavo Alonso Ferreira, que lançam em breve livros que relatam a trajetória do cantor.

Enquanto o jornalista lança a primeira biografia oficial de Simonal (ainda sem título, a ser lançada no segundo semestre pela editora Globo), Ferreira assina Simonal: Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga (Record), fruto de uma tese de doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense, previsto para junho. Uma tarefa aprazível para ambos, fãs de Simonal, mas nem por isso menos trabalhosa, porque envolve um personagem cujas esferas pessoal, musical e política se entrelaçam. E que ainda suscita grandes dúvidas a serem respondidas.

– No livro, forneço matéria-prima para o leitor entender se Simonal foi ou não delator – afirma Alexandre, que entrevistou o cantor em 1998 e cuidou da produção editorial da caixa Wilson Simonal na Odeon (EMI, 2003), que revê a discografia do ídolo dos anos 60 e 70. – Progredi muito em relação ao texto que acompanhou a caixa. Ouvi mais de 60 pessoas. Durante a carreira, ele teve turmas e subturmas diferentes. Só no caso do contrato que ele fez com a Shell em 1968 (que envolvia propagandas e patrocínios de turnês) havia diversas pessoas, no Brasil e no exterior. Fui atrás do presidente da Shell na época e dos publicitários que se envolveram com ele.

Boatos sobre bombas

Apesar do lado político ser importante, Alexandre diz que é impossível deixar o que aconteceu com Simonal restrito a isso.

– É uma história que tem várias leituras. Tem a questão do racismo, o fato de ele ter sido um cara sem condições para gerir a própria carreira, algo que veio de suas origens. – lembra. – Simonal era um cara sem estrutura familiar, teve poucas pessoas para orientá-lo e estava sozinho na época que foi acusado, sem banda e trocando de gravadora.
Ferreira, por sua vez, tencionou chegar a um resultado que lembra o fio condutor de Roberto Carlos em detalhes, de Paulo César de Araújo. Seu objetivo é contar a história da MPB dos anos 60 e 70 por intermédio da trajetória de Simonal – um cantor que, antes mesmo de ganhar a pecha de dedo duro, já não contava com a simpatia das esquerdas. Em 1969, diz o autor, Simonal teria mandado uma carta ao Dops pedindo reforço policial para seu espetáculo De Cabral a Simonal. Justificou o pedido alegando ter ouvido boatos a respeito de bombas em seus shows.

– Existe o fato de ele ter sido um dos artífices de um tipo de música chamada pilantragem, movimento cujos participantes não se viam como tal, talvez por vergonha. E Simonal fazia música alegre em tempos de ditadura, ironizava os universitários e os sambistas que faziam música batendo em caixas de fósforos. Alegava que estes não sabiam fazer música para o povo – observa o autor. – Aquela época se prestava a distorções, ainda não resolvidas. Hoje fala-se que o Simonal era adesista. Mesmo os artistas exilados passaram por esse tipo de acusação. O Chico Buarque lançou em 1968 a música Bom tempo. Os tropicalistas também eram mal-vistos pelas esquerdas.

Os baianos, por sinal, foram envolvidos em boatos relacionados a Simonal, conforme lembra o filho do cantor, Wilson Simoninha.

– Falavam que o Simonal tinha entregue o Caetano e o Gil aos militares. Um absurdo, porque o próprio Caetano dava entrevistas negando isso – recorda Simoninha, que colaborou bastante com os autores. – O importante é que são livros detalhados e não são chapa-branca. É a chance de rever a história da ditadura.

Ligação tropicalista

Alexandre acrescenta que não havia um fosso entre o cantor de Sá Marina e os tropicalistas exilados.

– O título de Alegria, alegria, primeiro sucesso do Caetano, foi tirado de uma expressão criada por Simonal. Em Parque industrial, de Tom Zé, lançada em Tropicália (disco-manifesto de 1968), Gilberto Gil fala “vamos voltar à pilantragem”. Na época dos tropicalistas, Simonal já era sucesso. Ele era como a Ivete Sangalo hoje e os baianos, como o Vanguart – brinca.

Na biografia, Alexandre aproveita para destruir velhos mitos, como o de que Simonal teria sido processado por sequestro, após o entrevero com o ex-contador.

– Ele foi preso, mas não se configurou sequestro porque não tentou tirar dinheiro de ninguém. O processo partiu do estado, já que Simonal usou um órgão do governo para resolver um problema dele – relata. – Viviani foi levado para o Dops e torturado. Não se admitia a tortura, mas o expediente era visto como um mal necessário, desde que justificado por interesses de segurança nacional. Não era o caso.

O racismo não é ponto pacífico entre os autores. Alexandre acredita que, se Simonal fosse branco, talvez seu destino fosse outro. Ferreira prefere deixar o tema de lado.
– A MPB já está repleta desse discurso de “vítimas do sistema”, que às vezes até legitima projetos estéticos – defende o historiador, que prefere concentrar-se na força do artista. – Numa entrevista que ele deu ao Pasquim, bem antes da acusação, ele foi atacado pelos entrevistadores e se defendeu de tudo. Vários artistas não tomavam a mesma atitude. Ivan Lins, por exemplo, foi literalmente insultado por eles numa entrevista.

Alexandre crê que muito do que aconteceu a Simonal veio do preconceito racial.

– Aqui, é como se fosse permitido ao negro circular no mesmo ambiente dos brancos, desde que soubesse seu lugar. E a postura de Simonal, que namorava loiras e desfilava com carrões, incomodava – explica o autor, sem esconder a idolatria. – Simonal foi o maior cantor que o Brasil já teve, em termos de voz, de exploração de palco. Tudo o que relacionamos a um grande cantor, ele tinha mais do que todos.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Simonal na toca dos leões

Reproduzo a entrevista de Simonal ao jornal O Pasquim num de seus primeiros numeros. Como notou Daniel Aarão Reis, meu professor, trata-se de uma das poucas entrevistas d'O Pasquim em que o entrevistado não fica encurralado pelos maliciosos entrevistadores. O tom geral das entrevistas deste jornal na época era cercar e debochar do entrevistado. Eles tentam fazer isso com Simonal, mas ele devolve na mesma moeda, a começar pela parte que chama O Pasquim de pilantra! Confira a entrevista na integra! Simonal fala de Nelson Cavaquinho (de quem debocha) ao muro de Berlin! Imperdivel!


Entrevista de Wilson Simonal a´O Pasquim

O Pasquim (jul 1969), nº 4
Fonte: Biblioteca Nacional, RJ.

Simonal: “não sou racista” (Simonal conta tudo)

Sérgio Cabral: O domínio do público é uma coisa instintiva em você. È claro que há toda uma técnica mas, enfim, é fabricado ou espontâneo?

Simonal: Na verdade, eu não magnetizo ninguém. O público é que se magnetiza por si mesmo.

Jaguar: Impressionante é que tudo que você faz no palco dá sorte. Quando o Armando Marques desmunheca, milhares de pessoas gritam “bicha, bicha”. Quando você desmunheca, milhares de pessoas aplaudem você histericamente. Qual é o segredo?

Simonal: É porque nunca constou, nunca se comentou e nunca se duvidou da minha característica de homem macho. Por isso que eles não me chamam de bicha.

Jaguar: Maísa disse que a pilantragem não existe. Compra essa, Simonal.

Simonal: Não, a pilantragem existe. E, inclusive, a pilantragem primordial da Maísa é quando ela picha as pessoas que são realmente muito famosas. É uma maneira de fazer pilantragem. Pilantragem é, por exemplo este jornal de vocês. É um jornal pilantra, que usa a pilantragem inteligente. Quando uma revista famosa coloca o retrato do artista mais famoso na capa, é para vender revista, entende? Então, eu uso as coisas que aprendi com toda a minha experiência de cantor, de crooner, no sentido de pilantragem musical. E eu não me envergonho de dizer, porque eu disse realmente que é pilantragem e acredito que o público goste da minha pilantragem. O segredo do sucesso da minha pilantragem é que ela não é pretensiosa.

Tarso de Castro: E esse grupo da pilantragem que tem aí, você acha que já morreu ou o que aconteceu com eles?

Simonal: Na verdade eu não tenho acompanhado. Mas, de qualquer maneira, eu quero dizer que agradeço a eles a promoção que eles me fizeram.

Sergio Cabral: Eu me lembro que houve uma época em que só você falava em pilantragem. Depois surgiu este grupo da pilantragem e o Nonato Buzar, meu amigo, que passou a ser o rei da pilantragem em disputa com o Carlos Imperial. Então um seria o rei da pilantragem, outro o imperador. E você seria o quê nesse caso?

Simonal: Eu seria apenas o Todo Onipontente da pilantragem.Sérgio Cabral: Onde você estava há dez anos atrás? Simonal: Em 1959 eu estava no Exército. Era cabo datilógrafo.

Sérgio Cabral: Como foi que você iniciou sua vida profissional, quando foi crooner de Salles e tal?

Simonal: Foi. Eu iniciei profissionalmente como crooner da boite Drink.

Sérgio Cabral: Quem foi que te encaminhou, houve algum padrinho, alguma pessoa nessa história?

Simonal: Houve. Quem praticamente forçou a maior barra comigo, inclusive me levou para fazer testes nas companhias gravadoras, foi o Carlos Imperial. Maluco, chegou ao cúmulo de um dia dar uma festa na casa dele e dizer: “vou apresentar pra vocês o maior cantor do Brasil”. Então foi todo mundo lá na casa do Imperial para ver quem era, e era eu. Adivinha se foi aquele mau parado, quiseram bater nele e tudo.

Tarso de Castro: E hoje você acha que é o maior cantor do Brasil?
Simonal: O melhor, não, mas eu sou um dos melhores.

Tarso de Castro: Quais são os outros?

Simonal: Os outros, atuantes, eu diria... vocês vão morrer de rir, o Altemar Dutra. É que eu tenho um conceito muito diferente: eu não julgo o bom cantor pelo repertório que ele canta, mas sim pelo que ele pode fazer com a voz. Então, Altemar Dutra, Agnaldo Timóteo, Cauby Peixoto, Agostinho dos Santos, Lúcio Alves... puxa tem tanta gente, deixa eu ver...

Tarso de Castro: O que você acha do Jair Rodrigues?

Simonal: Acho um ótimo sambista. Não é cantor, ele é sambista. Cantor não canta samba; ou se é sambista, ou se é cantor.Sérgio Cabral: Você me dá idéia que a influência que você teve inicialmente de cantores brasileiro, foi de Lúcio Alves e Dick Farney. Confirma isto ou não?Simonal: Realmente, eu me esqueci inclusive de citar o nome de Dick Farney que eu reputo como um dos grandes cantores brasileiros. Embora eu não saiba explicar o porquê da minha tendência pelo gosto moderno, me lembro que diziam que eu era influenciado e eu passei a observar. E o Lúcio Alves na fase de bossa nova foi um sujeito muito importante. Foi ele que me apresentou a Menescal, Elizeth Cardoso, Silvinha Telles. Eu acredito que de uma forma inconsciente eles devem ter influído na minha forma de cantar.

Sérgio Cabral: O Jaguar está dizendo que não tem a menor idéia do que faria se vinte mil pessoas urrassem seu nome no Maracanãzinho. Possivelmente ficaria estourando de máscara. Você, depois daquela consagração, não perdeu para sempre a sua pureza?

Simonal: Não, porque na verdade eu sempre fui, não digo puro, mas em relação à minha profissão eu sempre fui direito. Eu nunca me rodeei de frescuras e pode parecer até um pouco engraçado, cabotino, mas eu não me envergonho de dizer que eu sabia que o público ia cantar comigo. Eu não fui lá desprevenido, eu sabia. Já estou acostumado ao público me aplaudir e empolgar-se com a minha pilantragem. Mas o que aconteceu no Maracanãzinho foi que o público não se empolgou, o público se emocionou.

Tarso de Castro: Você acha que este esquema de pilantragem que você aplica hoje tem um duração longa?

Simonal: Este esquema, eu pensei honestamente, já estava ultrapassado. Há muito tempo que eu não fazia isto. Porque o artista brasileiro tem o defeito de se renovar, porque as coisas no Brasil acontecem muito rapidamente, então nós nos renovamos praticamente de seis em seis meses. Entretanto, a experiência tem-me ensinado que esta renovação tem que ser um pouco demorada. Eu acredito que um dia a pilantragem vai passar, mas tem que aparecer uma coisa melhor em termos de comunicação popular.

Tarso de Castro: Você foi ao Maracanãzinho para “jantar” o Sergio Mendes?

Simonal: Não. Eu sabia que ia ser aplaudido, mas não sabia que ia acontecer aquilo, eu realmente não esperava. Eu esperava ser aplaudido e sabia, pelo que estava esquematizado, que eu ia fazer a escada para o Sérgio Mendes, ia deixar o público num tal ponto de desinibição e alegria, que quando o Sérgio Mendes chegasse então, aconteceria a grande consagração a favor dele. Eu explico, não sei se estou certo, mas gostaria de explicar o porquê daquele fenômeno: o brasileiro é muito bairrista e sentimental, ao mesmo tempo em que indisciplinado, sabe? Então, a soma destas coisas reflete o seguinte: eu não soube em tempo algum de nenhum artista brasileiro que fizesse sucesso no exterior e que voltasse ao Brasil e fosse consagrado em termos populares. Ele é consagrado em pequenos recintos. É o caso de Elis Regina, por exemplo, que fez sucesso no Olympia e quando voltou ao Brasil não aconteceu nada. O próprio Roberto Carlos,no auge da sua carreira, ganhou e festival de San Remo. Forçaram aquela barra e tal, mas não aconteceu nada, porque quando o público descobriu que ele estava cantando em italiano, ficou meio chateado. Eu acredito que aquele negócio do Maracanãzinho foi que o carioca quis me mostrar o seguinte: é que eu estou afastado do Rio, praticamente, há uns três anos. Eu venho aqui, faço um mês de teatro e volto pra São Paulo. O meu programa de televisão era gravado em São Paulo. O sucesso que eu fazia no Brasil era reflexo do que eu fazia em São Paulo. Entretanto, todas as vezes que eu vinha ao Rio de Janeiro o carioca me aplaudia. Mas na verdade eu estava morando em São Paulo. Como foi divulgada a intenção do Sérgio Mendes de me levar para os Estado Unidos, eu acredito que naquele momento o público queria dizer: “olha, deixa de frescura, sem essa de ir para os Estado Unidos, fica um pouco mais aqui no Rio, se o problema é bater palmas, nós também sabemos bater, nós também sabemos aplaudir”. Sabe, eu acho que o público quis mostrar um pouco do carinho que ele sentia, querendo me mostrar uma coisa que eu não estava sabendo que tinha.

Tarso de Castro: Quer dizer que com isto fica afastada a hipótese de você sair daqui, pelo menos breve?

Simonal: Não, não é que eu não saia. O que foi divulgado é que eu iria para os Estados Unidos definitivamente, faturar em dólares, morar em Beverly Hills, porque o sujeito já fica imaginando isto. Todo mundo pensa que se eu for para lá, em sei meses vai acontecer o que eu sou no Brasil, mas eu não sou louco de ir assim. Eu posso ir, arriscar um disco, se colar colou, se não colar, tchau, até logo. Tanto que o Sérgio Mendes quis me contratar por 3 anos e eu não concordei. Eu disse que faria um disco e que se fizesse sucesso lá, eu daria opção para o próximo LP de gravar na etiqueta dele. Porque afinal de contas eles iam investir um capital na minha promoção, mas não que eu fosse definitivamente para os Estados Unidos, eu não conheço a filosofia do povo americano, não sei do que eles gostam.

Sérgio Cabral: Você esteve na Itália e eu me lembro que a imprensa italiana elogiou você, até como um novo rei da bossa-nova, novo João Gilberto. Você naquela época não teve intenção de ir para a Europa?

Simonal: Se eu fosse naquela época, ia me machucar, porque eu não tinha a experiência que eu tenho agora. E o que houve foi que o sujeito escreveu... sabe o que é, eu não me engano, quando o sujeito me elogia ou quando me picha, eu observo por que ele está me elogiando ou me pichando. Este sujeito que realmente me elogiou, ocupando uma página inteira daquela revista que é famosa lá, a OGGI, ele era cantor, Paolo Cupinei, era na verdade... como é o nome dele artístico, esteve aqui no Brasil... é, acho que é Gino Paolo. Então, como era cantor sentiu as minhas dificuldades de comunicação com o povo italiano e na medida que ele viu que eu consegui aquilo, ficou empolgado, mas porque ele era também artista. Todo sujeito, todo crítico que tem uma certa tendência artística, entende o negócio por um outro aspecto, outro lado. Então, eu acredito que foi meio nessa que ele deu esta força, ficou meio empolgado.

Pinheiro Guimarães: Se você fosse para os Estados Unidos, entraria para que turma?

Simonal: Eu acho que quem faz um gênero de pilantragem parecido co a que eu faço é exatamente o Herp Albert, o Chris Montez, Trini Lopes, estão mais ou menos dentro desse espírito. Mas lá é diferente, lá funciona muito o negócio de sub, quer dizer, nos Estados Unidos sempre existiu um buraco para o cantor ou artista latino. Não é de hoej que temos ai Xavier Cugal e milhões de artistas, agora mesmo o José Feliciano. Então, no sul dos Estados Unidos, por exemplo, com muita penetração da rapaziada do sub, eles dão aquela colher, deixam um cara meio sub fazer sucesso, mas é um sucesso muito passageiro. Eu acredito que se eu for para lá agora, e gravar um disco na AM Records, que é a fábrica das novidades, eu posso até fazer sucesso, mas por dois anos e depois não faço nunca mais.

Sérgio Cabral: Eu me lembro que no início, o pessoal da chamada crítica te esnobava e tal e você fazia sucesso e não dava bola para eles, até que passou a ser reconhecido por todos eles. Te importava esta crítica?

Simonal: Me importava, eu apenas não me deixava influenciar pelo que a crítica dizia, porque dentro do ponto de vista deles, naquela ocasião, eu acredito até que eles estivessem certos. Agora, não era o que eu estava tentando, porque o meu problema, acho que o grande problema da música brasileira foi o problema da comunicação. A música brasileira só se comunica com o povo no Carnaval. Fora dele a música brasileira praticamente não existe. O povo brasileiro esnoba a música brasileira. Era preciso, então, fazer um tipo de música que se comunicasse e depois, nós sempre fomos muito influenciados harmonicamente e por outras coisas. O artista americano sempre foi considerado. Se alguém quiser comparar o Silvio Caldas, que é o nosso papa aqui, com o Sinatra, todo mundo vai dizer que o Sinatra é melhor. Este tipo de condicionamento sempre atrapalhou a divulgação da música brasileira. E o que acontecia é que os críticos ficavam um pouco irritados com este condicionamento e eram, as vezes, até ásperos na maneira de se expressar. Quando você, que escreve sobre música, diz que o disco dos Beatles é ruim, o cara que está lendo a sua crítica e tem o disco em casa, está sendo chamado de burro, por tabela. Então acontece que ele passa a não dar importância ao que você escreve, pensa: “Esse cara é um chato, um bolha”.

Pinheiro Guimarães: E o que você acha que tem de mais bacana: beleza, bossa, voz, idéia?

Simonal: Eu tenho muito charme.

Sérgio Cabral: O que você acha do Sérgio Mendes?

Simonal: Para mim ele é um pilantra. Para vocês verem até que ponto vai a pilantragem do Sergio Mendes, é que como ele sabia da dificuldade da música brasileira fazer sucesso no exterior porque o tipo de samba tradicional não faz sucesso pela dificuldade de execução, porque o americano é prático e o que acontece é que música é escrita, então você escreve as notas, a divisão. Agora, no samba, há muito tempo desde que iniciada a música no Brasil, você escreve de um jeito e toca de outro. Mas isso funciona para brasileiro, que sabe o que é samba, que está acostumado a tocar desde criança. O músico estrangeiro não sabe, então ele toca o que está escrito e não dá certo e ele não entende como que os caras lá no Brasil e aqui eles tocam e não dá certo. Simplesmente porque é tão difícil escrever samba, qualquer maestro diz isto que se convencionou escrever daquela maneira antiga, que ainda hoje se usa. Se você ouvir uma gravação de samba em qualquer estúdio é comum o maestro dizer: “olha aqui, na letra h é aquela, morou? balançar... aqui na letra f vai naquela e tal”. Então quando vai a partitura para o músico estrangeiro tocar, não tem “é esta, é aquela, eles não têm o negócio de jeitinho, tocam o que está escrito e fica aquele samba parecido com rumba. E que, na realidade, está escrito, um samba parecido com rumba.

Sérgio Cabral: Eu me lembro quando o Ary Barroso foi convidado para ir aos Estados Unidos, ele queria levar um baterista e um contrabaixo brasileiro e não foi aceito por isto.

Simonal: Exatamente. Então, o negócio do Sergio Mendes ele fez um tipo de música moderna e com ritmo sofisticado, este ritmo que vocês da crítica chamam de alienado, o que realmente facilitou o americano a entender. Agora, a grande pilantragem dele foi a seguinte: a música brasileira era curiosa. Mas se cantar em português uma música o americano acha engraçado, duas já começou a encher. Na terceira ele pede um uísque, pergunta a cotação da bolsa, já fica um papo diferente. O Sérgio Mendes, então cantava uns pedaços em inglês e misturava o português. Mas é muito mais fácil para o americano que quer cantar em português, cantar com sotaque do que sem sotaque. E o que ele fez? Botou duas americanas no conjunto que cantavam em português com sotaque o que facilitou o problema do americano que resolve cantar junto.

Sérgio Cabral: Eu digo os nomes e você dá notas de um a dez. Vamos começar com Chico Buarque.

Simonal: Eu daria dez em letra e quatro em música. Acho a maioria das música do Chico muito ruins.

Sérgio Cabral: Caetano Veloso.

Simonal: O Caetano merece uma explicação, pela Tropicália, que é um tipo de pilantragem. Eu conheço e gravei músicas do Caetano, sensacionais, fora desta linha linha misteriosa que ele andou fazendo. Na verdade, ele aproveitou o tumulto, a insatisfação geral, a depressão da juventude e optou pelo negócio da pilantragem, que parece não ter dado muito certo. Mas eu daria a ele dez como letrista e cinco como músico.

Sérgio Cabral: E Gilberto Gil?

Simonal: Dez como letrista e nove como musicista.

Sérgio Cabral: Roberto Carlos?

Simonal: Já faz outro gênero, uma música com maior poder de comunicação. É o que nós, da música moderna, chamamos de música quadrada. Para ele eu tenho que abrir um parêntese: pelo meu gosto musical eu daria três para ele, como compositor. Mas se estabelecermos o problema da comunicação, que também é válido, e o Roberto Carlos é o compositor brasileiro que mais fez músicas comunicativas, eu nunca vi um sujeito fazer música água com açúcar de tanto poder comunicativo. Então, como compositor, eu daria três, mas pelo poder de comunicação ele é hors-concours.

Sérgio Cabral: E Noel Rosa?

Simonal: Eu conheço muita coisa ruim dele. Eu acredito que na sua época, ele foi um Chico Buarque, eu não sei, mas ele poderia até ser considerado um Caetano Veloso na época, porque ele fez umas músicas realmente muito diferentes das músicas que se faziam naquele tempo. Como eu não conheço a maioria das coisas do Noel Rosa, eu não dou nota.

Sérgio Cabral: Ary Barroso?

Simonal: Compositor razoável. Foi muito idolatrado mas ele não chegava a ser sensacional.

Sérgio Cabral: Dorival Caymmi?

Simonal: Esse é quente. Eu daria dez em música e dez em letra. Ele tem umas músicas cafoninhas, comerciais, mas ele é sensacional. Faz bem música, tem bom gosto harmônico, tem melodia bonita e faz verdadeiras poesias. Eu daria vinte.

Jaguar: Você conhece o Nelson Cavaquinho? Que tal?

Simonal: Conheço, é sensacional. Como músico, pelo simples. Isto dele tocar o instrumento cavaquinho, que é pobre harmonicamente, faz com que ele mesmo, muitas vezes estrague suas melodias. O Nelson Cavaquinho é um compositor em potencial, ele sente uma música, mas não dá para fazer o que quer fazer, porque se o Nelson Cavaquinho fosse Nelson Pianinho, seria sensacional. Como letrista, dentro daquela simplicidade, eu daria quinze.

Jaguar: Qual o melhor compositor do Brasil?

Simonal: Não existe o melhor. Existe tanta gente boa. Tem um compositor, por exemplo, que eu nunca gravei música dele, chama-se Hemínio Belo de Carvalho; nunca gravei porque eu estou numa outra linha, mas é o tipo do compositor sensacional. E eu nunca gravei, porque não gravo disco para receber elogio, eu gravo disco para vender. Uso a minha arte no sentido comercial. O dia em que eu ficar rico, muito rico, aí sim eu vou me dar o luxo de fazer disco artístico, mas por enquanto ainda não. E assim como Hermínio, existe muita gente boa. O Billy Blanco, o Ataulfo Alves, tanta gente bacana que não existe o melhor.

Sérgio Cabral: E a melhor cantora brasileira?

Simonal: A maior também não existe. Existem grandes cantoras. Eu faço questão de dizer que existem grandes cantores brasileiros, porque uma das piores línguas que existem para cantar é a língua portuguesa, porque não é sonora, é uma língua dura, uma língua feia. E a grande maioria dos compositores brasileiros fazem músicas que dificultam a interpretação. E para a mulher ainda é mais difícil cantar na língua portuguesa do que para o homem. Então, quando encontramos uma Elizeth Cardoso, quando ouvimos uma Elis Regina, uma Claudette Soares, uma Maysa, é um negócio que a gente tem que tirar o chapéu, o que elas fazem com a voz, cantando em português, que é dificílimo... Cantar em inglês é fácil, italiano é mole. Você vê todo calouro, em geral, canta música americana ou italiana, porque é mais fácil. Cantar em português já é mais difícil. Nós temos realmente grandes cantoras. Elza Soares é uma cantora excelente...

Sérgio Cabral: Você gosta da Gal Costa?
Simonal: Ela não é uma grande cantora. A Gal Costa é uma figura, funciona mais como uma peça de um movimento, como cantora ainda é muito imatura. Eu acredito que não poderá ser uma grande cantora. Mas, eu falei em Elizeth Cardoso e se falasse que a Gal Costa é uma grande cantora, eu seria um cafajeste.

Sérgio Cabral: E Nara Leão?

Simonal: A Nara canta mal. E dizer que alguém canta mal, não desmerece o valor. Nara canta mal com todas as menininhas grãfininhas da Zona Sul e da Zona Norte que se identificam com Nara. O grande segredo de Nara é que ela sempre escolhe bem o repertório. Deve ser a cantora brasileira que melhor escolhe repertório. Acho que nem a Elizeth, com a prática que tem, escolhe tão bem quanto Nara. Ela só vai na mosca. Porque é fogo, fazer sucesso, cantando mal do jeito que Nara canta, o segredo dela está no repertório, isso sem falar no seu charme, no seu joelho que é sensacional etc.

Tarso de Castro: Você gosta de Nara Leão, é amigo dela?

Simonal: Sou muito amigo dela, mas nem por isso vou dizer que ela canta bem. Ela sabe que canta mal, tanto é que ela está estudando canto até hoje, e se continuar cantando deve continuar estudando.

Tarso de Castro: Você falou agora nas menininhas da alta sociedade. O que você acha desse pessoal.

Simonal: Eu acho engraçado. Tem certo tipo de frescura que eu acho bacana. A Teresa Souza Campos, por exemplo, é uma figura, uma mulher que sempre foi idolatrada. Eu a conheci quando eu era crooner do Drink, depois eu fui para o Top Club, então a Teresa foi a grande mulher invejada, eu acho bacana... E hoje ela é uma senhora e consegue manter aquela elegância. Tem gente até que diz que o gênero de beleza dela está ultrapassado; eu não acho, acho que ela está sensacional, porque ela é uma senhora, não é mais uma menina. Entretanto, é uma senhora com todo aquele charme, toda aquela exuberância, dá pra gente paquerar tranqüilo, é uma boneca.

Tarso de Castro: Quem é que você escolhe como gênio: Garrincha ou Pelé?

Simonal: O Pelé, porque...

Pinheiro Guimarães: Você é racista?

Simonal: Não,eu não sou racista, minha mulher é loura, sou vidrado em loura, em olho verde, olho azul e não é necessidade de afirmação, eu acho engraçado, é realmente sensacional... Aliás eu gosto muito de mulher bonita, minha mulher também sabe disso e inclusive me prestigia. Quando eu paquero mulher feia ela diz que o meu gosto está mudando e ainda me gora. Mas o Pelé foi mais inteligente, porque gênio é em todos os sentidos...

Jaguar: Como é que você encara o preconceito racial no Brasil?

Simonal: Acho meio frescura, mas no duro ele existe. E, antigamente, quando eu andava empolgado com a esquerda festiva, não me envergonho de dizer que já estive meio nessa, sabe como é: a gente vai estudando, fica com banca de inteligente e pensando que é o tal, achando que muita coisa estava errada, que tinha que mudar muita coisa...

Tarso de Castro: Hoje você não acha mais que tenha muita coisa errada?

Simonal: Eu acho que ainda tem, só que eu não entendo o porquê que as coisas estão erradas e quando eu vou discutir não agrido mais as pessoas, eu procuro propor o meu ponto de vista... E então, por que existe racismo? Eu me lembro que quando estava no colégio, eu estudava que a raça negra era inferior, que o branco era mais bonito, era superior etc. Era no livro Meu Tesouro. Muita gente estudou neste livro e eu, como moleque crioulinho, li isto lá. Quando eu canto o charme e a beleza negros, não é que eu seja racista, é apenas para provar para a maioria destes crioulinhos idiotas, que em vez de estudarem ficam aí na marginalizando, que enquanto existirem esses conceitos e o condicionamento do povo em relação à beleza branca e sua superioridade, este negócio vai existir,vai demorar um pouco para mudar. Mas para mudar não é com poder negro, pantera negra e outras frescuras, muda é com educação e o negro mostrando que tem capacidade de se impor. O negro tem que estudar, tem que se virar. Antigamente eu me lembro que só porque eu cantava de paletó e gravata, tropical inglês, arriscando um charme, eu era antipático. Hoje, entretanto, todo mundo acha que eu sou charmoso, é porque se acostumaram. E qualquer crioulo que forçar a barra, que provar que sabe fazer as coisas direito, ter uma vida honesta sem prejudicar ninguém, até o belga louro de olho cor-de-rosa vai achar aquele crioulo sensacional. Vê se alguém fala mal do Pelé, ou do Jair Rodrigues. O negro tem que se impor. Vai encontrar certas dificuldades mas tem que levar a sério, estudar, se especializar, para poder aparecer.

Tarso de Castro: A imagem pública que se tem de você é a do cara que está tranqüilo e que tem mordomo que acorda você às duas da tarde, com caviar etc. Qual é a sua rotina diária real?

Simonal: Eu não me daria nunca com esta jogada de mordomo porque eu não fui acostumada a isto. Caviar eu acho engraçado, mas o que eu gosto mesmo é de tutu com feijão, ovo mexido, bife na manteiga etc. Claro que quando eu vou numa festa frescura, black-tie, strogonof e tal, a gente prestigia... Hoje eu só bebo uísque escocês porque eu aprendi que é melhor do que o nacional, não dá dor de cabeça, o fígado não se transforma em patê com tanta rapidez, então a gente homenageia sob os auspícios da Escócia. Mas tem certas frescuras que eu não fui muito acostumado, então não dou importância. Claro que eu posso ter conforto. Se minha mãe pode ter empregada, se minha mulher não precisa ir para o fogão e para o tanque de lavar roupa, eu pago uma empregada por problema de comodidade e não porque queira botar banca. E quando faço isto, estou ajudando uma pessoa pobre a ganhar dinheiro. O maior sarro que eu tiro do meu sucesso é que eu sei que tem um número muito grande de gente que trabalha comigo que está ganhando dinheiro. É o garçom da boite, é o bilheteiro, é ocara que vende meu disco, é o proprietário da boite. Aliás, o proprietário da boite não digo, porque este já está bem, está tranqüilo, é dono da metade da Lagoa [Rodriogo de Freitas, no Rio de Janeiro], está homenageando a mulher de Ipanema e adjacências... Na verdade, depois que eu comecei a fazer sucesso o meu empresário, por exemplo, mudou o padrão de vida, já comprou a sua casinha, tem a sua caranga conversível americana. O malandro do secretário estava a pé e já tem seu fusquinha e tal, já está todo mundo montadinho, usando uma roupinha melhor, com algum no banco já estão até pagando imposto de renda.

Tarso de Castro: E a sua rotina mesmo, qual é?

Simonal: Eu sou muito preguiçoso e não é de agora. Tive problemas no colégio e no Exército por causa disso. Já na época eu não gostava de levantar cedo, queria dormir até tarde e agora que eu estou mais ou menos na base da colher-de-sopa, eu gosto de levantar lá pelo meio-dia, uma hora da tarde. Como uma vez por dia, sei lá, não tenho muita rotina. Só me modifico um pouco quando tenho que trabalhar, ensaios, viagens etc. Fora disto, passeio, vou ao cinema, brinco com meus filhos, vou à casa de minha mãe, bato papo com os meus amigos...

Sérgio Cabral: Quantos filhos você tem?

Simonal: Embora eu seja casa há seis anos, só tenho dois, porque tenho em casa um projetor de filmes e um aparelho de televisão que nós usamos, entende...

Pinheiro Guimarães: Você usa muita gíria, estes termos que de uma certa maneira mascaram os sentimentos. Você acha que esta nova maneira de falar funciona em termos de não perder a personalidade da coisa?

Simonal: Funciona. Eu sempre fui a favor da gíria porque acho que ela tem um grande poder de comunicação, ela desinibe e se existisse uma gíria internacional eu acho que nem haveria guerra que é um negócio mal parado, acho burrice. E em contra-senso no mundo de hoje em que o americano esta mandando homem para a Lua. E estão mandando mesmo, porque a gente vê na televisão. Não é filme, os malandros estão lá mesmo. Os russos a gente não sabe se já estão lá... O negócio é que a gíria facilitaria os entendimentos e as conversações. Hoje a propaganda é toda calcada em cima de bolações e quantas vezes até os textos são em gírias populares. Agora a guerra é um outro papo na base do... é outra jogada.

Sérgio Cabral: Problema comercial, você acha?

Simonal: É que está todo mundo a fim de levantar algum... As grandes potências ainda esta naquela de inveja, do que o fulano tem e eu não tenho, em vez de fazerem um intercâmbio de valores, ficam nesta bobagem...

Tarso de Castro: Mas esta bobagem alimentou a indústria alemã, por exemplo, e fez a Segunda Guerra Mundial e o nazismo, não foi?

Simonal: Pois é. E foi um prejuízo para o mundo todo. A Alemanha ainda hoje está dividida, metade do lado de cá, metade do lado de lá. É um povo oprimido, povo triste, uma chatice. Eu estive na Alemanha e a alegria que lá existe é falso bêbados... E como o turismo lá está muito desenvolvido, eles são tão cretinos que promoveram até aquele muro, então as pessoas vão lá para ver se foge ou se morre alguém, vejam a morbidez humana como é...

Tarso de Castro: E o que você achou do muro?
Simonal: Frescura, precisava aquele muro? É que as leis deles são tão cascatas que tem onegócio do Muro, deve estar ruim de um lado e de outro, então o pessoal esta se mandando. Vai por mim que por trás daquele muro o pessoal está levando uma grana. No fim do mês tem um acerto de contas, é promoção.

Jaguar: Você que um cara pra frente, já fumou maconha?
Simonal: Fumei uma vez para ver como é que era. Mas eu não gosto nem de cigarro. O que eu acho é que em toda universidade os alunos deviam fumar maconha, para acabar com a frescura e com o mito. Porque fazem muita onda, não é nada disto que a turma está falando, há muito folclore, horrível, tem gosto de mato (fim da linha ilegível). Eu fumei uma vez e não senti nada porque não sei nem fumar cigarro comum, devo ter fumado mal.

Tarso de Castro: O que você acha dos festivais de música?

Simonal: Festival é um grande cascata que existe.(resto da resposta está ilegível)
Pinheiro Guimarães: E de onde vem nome Wilson Simonal?

Simonal: Meu nome é Wilson Simonal de Castro.Pinheiro Guimarães: E de onde vem Simonal?

Simonal: Isso é um mistério, isto é de onde vem o Simonal eu sei. Em todos os lugares a que chegou procuro logo Simonal na lista telefônica, mas até agora não encontrei nenhum. É um nome judeu. Mas, quando nasci, o medico que atendeu minha mãe chamava-se Simonard. Judeu francês, sabe? Minha mãe teve uma gestação muito complicada. Era muito trabalhadeira, uma cozinheira de mão cheia. Ia para a cozinha e ficava íntima do pessoal do hospital e o médico disse a ela: “Quando nascer, quero que a criança tenha meu sobrenome”. Então ela decidiu que eu me chamaria Roberto Simonard de Castro. Mas meu pai, mineiro, achou Roberto nome de velho e mudou para Wilson. Na hora de registrar em cartório, com aquele sotaque mineiro, acabou saindo Simonal.

Sérgio Cabral: Quando você cobra por show em clube?

Simonal: Nove milhões de cruzeiros velhos.Jaguar: Qual a marca de seu carro?Simonal: Uma “mercedezinha”, mas isso todo mundo tem.Sérgio Cabral: Onde você nasceu?Simonal: Nasci na avenida Presidente Vargas, mas fui criado no Leblon, numa favelinha que tinha ali. Era uma favela bacaninha, tinha só 17 barracos, com TV, água encanada e tudo.

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segunda-feira, 9 de março de 2009

Simonal e a Shell

Simonal assinando o contrato com a Shell. Fonte: OESP, 17/09/1969.


Impressionada com a popularidade do cantor, a Shell resolveu contratá-lo como garoto propaganda de seus produtos, que iam de combustíveis a formicidas. João Carlos Magaldi, gerente de marketing da Shell, ofereceu NCr$ 300 milhões durante um ano para que o cantor tivesse sua imagem vinculada à multinacional. Assim, Simonal passou a aparecer freqüentemente em comerciais de TV, e ao lado dos astros da Seleção Brasileira de Futebol em jornais e revistas. Em 1969, a Shell se tornara patrocinadora da Seleção, aproveitando a crise que vivia o time do então técnico João Saldanha. A seleção brasileira de Saldanha havia se classificado com folga nas eliminatórias, mas na fase de amistosos preparatórios para a Copa o time sofreu algumas derrotas humilhantes em jogos considerados bobos, nos quais o time inteiro jogou mal.[*]
Além de muito popular, Simonal era um showman reconhecido por vários artistas da época. Juca Chaves, Chacrinha e Jô Soares o consideravam o melhor cantor do Brasil.[1] Embora a maioria dos artistas reconhecesse seu talento, criticavam as “besteiras” que ele cantou ao longo de sua carreira, especialmente as canções ligadas ao seu projeto estético, a Pilantragem. Vinícius de Moraes chegou a dizer que daria nota 10 para o cantor que ele poderia ser se não tivesse aderido à “bobagem” da pilantragem.[2] Roberto Carlos o considerava um dos três maiores cantores do Brasil, ao lado do ‘deus’ daquela geração, João Gilberto. Mas o “rei” fazia ressalvas: “Simonal é muito bom, [mas] eu não estou me referindo ao gênero pilantragem não, mas ao Simonal como cantor, cantando outro tipo de música.”[3] Essa opinião preconceituosa soa estranha na voz de Roberto Carlos, já que ele próprio sofreu perseguição dos puristas da música popular contrários ao iê-iê-iê brasileiro.

Nara Leão também ridicularizava a pilantragem,[4] mas concordava com Norma Benguell que sua voz era fenomenal: “nota 3 para a pilantragem e 5 para Simonal, pois ele é musical paca mas fica naquele negócio de meu limão meu limoeiro, não dá”.[5]

O que todos reconheciam era que sua fama era enorme, talvez só comparável à de Roberto Carlos. A partir de 1966, ele se tornou um dos maiores vendedores de discos, disputando com o “rei” e com outros artistas recordistas de vendas, como Agnaldo Timóteo e Paulo Sérgio, o mercado nacional de compactos e long plays, os vinis da época. Embora gerasse algumas desavenças no meio artístico, Simonal era reconhecido pelo povão. Numa pesquisa realizada pelo Ibope no Rio de Janeiro em novembro de 1969, ele foi considerado o terceiro cantor mais popular do país. Ficou atrás apenas de Roberto Carlos e Agnaldo Timóteo.[6]

[*] A primeira dessas derrotas humilhantes foi para o time do Atlético Mineiro (2x0, em Belo Horizonte em 3/9/1969); a segunda para a Argentina (2x0, em Porto Alegre em 4/3/1970). A crise se abateu na seleção quando Saldanha afirmou que Pelé tinha um problema na vista. Por fim, o técnico, simpatizante do então extinto Partido Comunista, respondeu grosseiramente a sugestão do presidente Médici de convocar o atacante Dario no lugar de Tostão (este sim com problema ocular: descolamento de retina): “Eu não opino na escolha do seu ministério, portanto não aceito que o senhor dê palpites no meu time.” Saldanha foi trocado por Mario Jorge Lobo Zagallo a menos de 60 dias do início da competição. João Máximo, João Saldanha (Coleção Perfis do Rio), Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1996, pp. 103-113.
[1] Para as opiniões de Jô Soares, Juca Chaves e Chacrinha ver entrevistas ao jornal O Pasquim: Jô Soares, 4-10/12/1969, s/nº, pp. 10-13; Juca Chaves, 18/12/1969, nº 26, páginas 8-11; Chacrinha, O Pasquim, 13-19/11/1969, nº 21, pp. 10-13.
[2] Para a entrevista de Vinícius de Moraes ver O Pasquim, ago. 1969, nº6, p. 8.
[3] Roberto Carlos, O Pasquim, 7/10/1970, nº 68, pp. 8-11.
[4] Nara Leão, O Pasquim, ago. 1969, nº 7, p. 10.
[5] Norma Benguel, O Pasquim, 5/9/1969, s/nº, p. 11.
[6] Pesquisa Ibope de novembro de 1969 (Cantores Brasileiros – popularidade – 1624 1964-1969, vol. 1, p. 7, Acervo Edgar Leuenroth, IFCH – Unicamp).

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009


Parte do Capitulo 4: Cabo Simonal

Uma multidão invadiu o campo do Maracanã para abraçar o herói vestido de branco, que pegava a bola no fundo das redes, no lado direito. Fora o jogo de um time só, e todos os olhos estiveram sobre o camisa 10. O goleiro Andrada socava o chão com raiva, mas afinal fora melhor assim: provavelmente ele não sairia vivo de campo se conseguisse empurrá-la para fora. Foi xingado pela torcida do camisa 10 quando, ainda no primeiro tempo, espalmou uma bola que ele chutara, de três dedos, da quina da grande área para o ângulo oposto, lá bem pertinho de onde a coruja dorme. Quando perdeu esta ótima oportunidade, os jogadores da defesa vascaína se abraçaram e ironizaram o artilheiro: “ô crioulo, aqui não vai fazer não!”.


No segundo tempo, o “crioulo” avançava pelo meio da área quando trombou com o zagueiro, e caiu meio que de maduro. O juiz apontou a marca do pênalti, apesar da revolta dos vascaínos. Raivoso, um deles começou a fazer um buraco na marca do tiro livre sem o juiz perceber, de forma a prejudicar a sorte do herói. Mas aquele não era um artilheiro comum. Mesmo nervoso e com as pernas bambas, ele bateu bem, no cantinho direito, à meia altura, para dificultar a vida do adversário. Apesar da plástica ponte para a esquerda, dessa vez Andrada não teve chance. Mais uma vez cumpria-se o ditado de que as pessoas só notam o goleiro quando este falha. Mas há males que vem para o bem, e Andrada com certeza será mais lembrado por esse gol sofrido do que por qualquer outra de suas boas defesas. Ela dormia agora na haste que segura o barbante, bem no cantinho.


Repórteres se estapeavam para colocar os microfones o mais próximo possível, em busca de declarações históricas. As grandes antenas dos transmissores invasores e os fios dos microfones davam a impressão de que o herói iria desaparecer em meio a tanta parafernália tecnológica. Com os braços levantados segurando a bola, era carregado por torcedores eufóricos. Em êxtase, não conseguia dizer nada.[1]


Era 19 de novembro de 1969, dia da Bandeira. Aquele não fora um pênalti qualquer. Jornalistas do mundo inteiro estavam presentes no gramado esperando pela consagração do maior jogador de todos os tempos. Quando a situação se acalmou um pouco, o camisa 10 do Santos conseguiu, aos prantos, dizer alguma coisa aos repórteres: “Vamos ajudar os pobres. Vamos ajudar as crianças. O povo brasileiro não pode esquecer as crianças.”[2]


Em janeiro do ano seguinte ele resolveu dedicar mais do que um gol às “crianças do Brasil”. Pelé resolveu arrecadar fundos para as crianças pobres e para isso chamou aquele que era o “crioulo” mais famoso do Brasil, depois dele próprio, é claro: “ – Pelé, nessa trincheira que você abriu pela criança pobre, pode contar com o velho cabo Simonal. Estou nessa milícia. Conte comigo. Se o negócio é criança, estou nessa.”[3]


Shows beneficentes foram então organizados, um cantava e outro fazia exibições futebolísticas. De brincadeira, os dois reis, o da música e o do futebol, também invertiam seus papéis. Pelé cantava músicas de sua autoria, e Simonal batia uma bolinha e mostrava que era muito melhor cantor do que jogador. Os jornais não perderam a chance de noticiar o encontro dos heróis:
“Quando dois reis se encontram - A dupla real agora está unida por uma causa nobre: criar a fundação Pelé em benefício das crianças pobres do Brasil. Juntos eles bolaram a festa dos 1000 gols no Maracanãzinho – promovida pela Shell e pela TV Globo e cuja renda se destina a organizações de caridade comandadas pela LBA. Um jogará e outro fará shows beneficentes.”[4]


[1] DVD Pelé Eterno, Universal, 2004.
[2] Vídeo da comemoração do milésimo gol de Pelé foi exibido no programa Esporte Espetacular da Rede Globo, em 25/3/2007.
[3] Fatos e Fotos (1/1/1970), ano IX, nº 465.
[4] Idem; Fatos e Fotos (8/1/1970), ano IX, nº 466.

Simonal, Pelé e o racismo



Simonal não se via como descendente dos negros da África e, por isso, não se vestia como “índio africano”, como dizia. Sua matriz era outra, era americana. Aliás, tanto Simonal como Toni Tornado e Erlon Chaves se comportavam como negros norte-americanos.[1] Mas essa postura de negros norte-americanos se distanciava da identidade negra hegemônica no Brasil. E Simonal, paradoxalmente, incorporava as duas práticas, tanto a conduta negra americana de se portar (ao ser um negro “exibido”, confiante, que se impõe) e a brasileira (negando o “ancestral”). Assim, é compreensível que Simonal se visse influenciado pelos negros norte-americanos sem adotar a perspectiva racial americana, ou seja, negando a importância do “ancestral africano”. E, assim, no Brasil, o discurso racial (e do racismo) compete em igual peso com outras questões, especialmente a questão econômico-social. Pelé deixou claro este ponto de vista em 1979: “aqui no Brasil o problema do racismo é mais social”.[2] A opinião de Pelé não é um julgamento isolado, ela encontra forte eco social, e não só de brancos. O discurso do racismo quase nunca é a única explicação para os problemas sociais segundo grande parte dos próprios negros brasileiros. No auge do sucesso Simonal tinha o mesmo discurso de Pelé. No ostracismo o discurso racial ganha mais força na sua boca.


Mesmo querendo apontar a importância do racismo para seu ocaso, Simonal continuava a reproduzir o estilo “brasileiro” de ver as “raças”, ou seja, valorizando mais as influências do que as ascendências, mais as conexões sociais do que o “genótipo”, mais as diversas matrizes que “o ancestral”. Críticos poderão dizer que essa relativização do racismo é fruto da ideologia da “democracia racial”, que esconde preconceitos e dominação. Para estes, a “realidade” brasileira está, na verdade, muito próxima da “realidade” do Estados Unidos e o racismo brasileiro é “até pior” do que o americano, pois “não acontece às claras”. Todos seriamos hipócritas ao “fingir” que ele não existe.


Assim, a adoção da perspectiva racial bipolar serviria para resolver as desigualdades raciais por meio do conflito. Essa é uma das razões pela qual alguns críticos sociais preferem o modelo racial americano. O jornalista d’O Pasquim Tarso de Castro deixou evidente esta posição quando comparou os esportistas Pelé e Cassius Clay, em 1970. O boxeador americano, também conhecido pelo nome muçulmano, Mohammed Ali, foi valorizado frente ao “imobilismo do rei”. Na década de 1960, Clay engajou-se na luta dos negros americanos e se negou a lutar no Vietnã, razão pela qual foi suspenso do boxe: “Nada poderia me dar mais alegria do que a volta de Cassius Clay, na semana passada, com a garra de um campeão que ele sempre será. Trata-se de um campeão, dentro e fora do ringue, um homem de sua gente, um lutador, um homem que representa a grandiosidade da raça negra. E nada me entristece tanto quanto ver que nós, tendo um magnífico Pelé, temos um péssimo Édson Arantes do Nascimento”[3] (grifos meus).

Críticos como Tarso de Castro cobravam de Pelé uma postura mais “combativa”, que fugisse da imagem de “bom-moço” tão elaborada pelo próprio. No entanto, a idéia de que o jogador sempre foi um “negro bem-comportado” parte do princípio de que ele teria que adotar o discurso bipolar americano e se tornar um “lutador”, “um homem que represente a grandiosidade da raça negra”. Mas, assim como Simonal e Fio, Pelé não adotou o discurso d’o ancestral africano. E, mesmo assim, no Brasil, ele é visto como “um homem da sua gente”. A opinião do jogador transparece o mito da democracia racial e, mais importante do que isso, transparece também os arranjos culturais e sociais brasileiros que negam o particularismo racial em nome de valores universais.[4]


Longe de representar uma exceção, o comportamento de Pelé parece ser respaldado socialmente, por mais que os resistentes prefiram o boxeador. Para além do poder da mídia na divulgação de seu mito, a conduta de Pelé quanto ao tema racismo representa a forma como muitos brasileiros vêem a questão racial. A “raça” não é índice explicativo holístico, mas um dado relacional, que se constrói na vivência.


Um dos poucos a defender Pelé naquela época foi, corajosamente, Caetano Veloso. Em meio a um debate em que estavam Chico Buarque, Aldir Blanc, Sergio Cabral e Edu Lobo em meados dos anos 1970 Caetano fez o que poucas pessoas públicas fizeram. Sua precisão vale a reprodução na integra de sua fala:


Repórter: Chico falou da necessidade de se alcançar uma certa situação de poder para ter condições de influir. Muita gente critica Pelé, por exemplo, porque ele ao invés de falar dos problemas de sua raça dedica o seu milésimo gol às criancinhas do Brasil. Com o prestígio e o poder que ele tem, poderia contribuir para combater a discriminação racial.
Caetano: O que se falou sobre Pelé é revelador. Quando você cobra de Pelé uma atitude em relação a problemas sobre os quais você pensa de uma determinada maneira, você está se esquecendo de que Pelé é uma pessoa que já fez muito. É dificil uma pessoa conseguir o que Pelé conseguiu. Você está projetando em Pelé os valores utópicos que você tem, sem analisar os fatores que levam um indivíduo a se tornar um Muhammad Ali ou um Mao Tse-Tung. Como é que Pelé, jogando o futebol que joga, poderia ter uma consciência politica? Não quero dizer com isso que não se deva pedir mais. Porém temos de ver como Pelé chegou a esse nível de realização dentro desta sociedade. Temos de ver o lugar onde nasceu, as condições de onde veio, como as coisas se processaram. Não conheço nenhuma declaração importante de Pelé sobre a situação do negro no Brasil e no mundo, sobre a situação do homem pobre, sobre a situação do Brasil diante dos outros países, ou mesmo sobre a situação jurídica dos jogadores de futebol. No entanto, todos esses assuntos foram afetados por ele, Pelé, pelo simples fato de jogar o grande futebol que joga e de ter chegado ao ponto em que chegou, abrindo uma imensa gama de possibilidades. Pedir a ele mais que isso seria pedir energia demais a quem já dá energia em demasia. Sem que Pelé dissesse uma só palavra, o jogador de futebol no Brasil ganhou a possibilidade de dizer suas próprias palavras. Os nossos jogadores eram escravos... é proibido vender gente no Brasil, mas os jogadores de futebol eram vendidos e comprados e ninguém contestava isso. Eles não tinham nenhuma respeitabilidade. Pelé conseguiu mudar coisas imensas pelo simples fato de jogar no Brasil. A gente tem de parar e ver a carga de informação cultural e a energia de liberdade e de verdade que emanam de Pelé, ao invés de desrespeitá-lo. É uma humildade que temos de ter. Alguns jogadores de futebol tentaram discutir politicamente a sua profissão e suas carreiras pouco duraram, não só por causa da reação contra a sua tentativa de serem conscientes, mas também por causa de sua própria formação psicológica. Penso em Afonsinho e em Nei Conceição. Acho, por isso, que a armadura de Pelé é útil e necessária. Ele é um homem que diz: "Eu não falo ! Não quero falar ! Não posso! Não tenho nada a ver com isso! Quero ser uma pessoa grande!" Esse é Pelé, um rei dentro de uma pessoa. Não me consta que João Gilberto tenha se preocupado com direitos autorais, com relação dc produção nem com a estrutura do poder. Nunca se ouviu ele dizer que a injustiça social está errada. No entanto, estamos todos aqui por causa dele, porque cantou e tocou daquele jeito, porque a energia de rei dentro daquele homem funcionou iluminando uma porrada de coisas.”[5]


Fazendo as devidas críticas ao conceito de Gilberto Freyre, e sem ignorar a existência do racismo no país, cabe repetir a pergunta de Peter Fry: “será que a idéia da semelhança de todos é tão nociva assim?”.[6]


[1] Agradeço ao professor Daniel Aarão por chamar atenção para tal postura “americanizada” desses artistas durante a qualificação, em agosto de 2006.[2] Isto É (14/3/1979) apud Heloísa Buarque de Hollanda e Carlos Alberto Pereira, op. cit., 1980, p. 128.[3] “Um campeão”, O Pasquim (4/11/1970), nº 72, p. 31.[4] Segundo Fry: “O ‘fracasso’ do Movimento Negro na conquista de corações e mentes dos brasileiros decorre do conflito entre os princípios segregacionistas que estão no cerne da ideologia do Movimento e os anseios assimilacionistas que continuam fortes no senso comum brasileiro”. Peter Fry, op. cit., p. 178.[5] Esta entrevista foi obtida no site do compositor. Trata-se de um especial da revista Homem, sem data. Sabe-se que Homem é o nome da revista Playboy entre 1975 e 1978, antes de poder assumir o nome internacional por causa da censura. Presumo que a entrevista seja de 1976. Ela pode ser obtida através do link: www.chicobuarque.com.br/texto/mestre.asp?página=entrevistas/homem.htm[6] Peter Fry, op. cit., p. 186.