segunda-feira, 18 de julho de 2011

Revista Rolling Stone

Simonal - Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga
Autor: Gustavo Alves Alonso Ferreira
Editora: Record

O apogeu, queda e ostracismo do rei da pilantragem em obra acadêmica

Este livro nasceu da dissertação de mestrado defendida pelo autor, o historiador Gustavo Alves Alonso Ferreira, na Universidade Federal Fluminense, em 2007. E por isso se mostra uma obra bastante completa quanto à pesquisa e apuração dos fatos que permeiam a vida e obra do redescoberto Wilson Simonal (1938-2000). Além do vasto uso de arquivo de jornais e revistas, Gustavo também colheu depoimentos de artistas como Caetano Veloso, Gerson King Combo e do crítico Zuza Homem de Mello. Os capítulos analisam com detalhes episódios como o show de Simonal no Maracanãzinho, o desprezo de grandes artistas da MPB em relação à sua obra, as críticas da esquerda contra seu som “alienado“ e o desentendimento com o seu contador, Raphael Viviani, que foi o gancho para seu ostracismo. Ao final da obra, anexos importantes: a entrevista de Simonal ao Pasquim, uma das publicações que mais crucificaram o cantor, publicada em 1969, os depoimentos e declarações de Simonal e do contador à Justiça e ainda a sentença final sobre o caso, proferida em 1974.

4/5 estrelas, por Marcos Lauro

Fonte: http://www.rollingstone.com.br/guia/livros/5045/

Todo Dia On Line

Livro polemiza relação da MPB com a ditadura militar

Publicado em 01 de julho de 2011 2 comentários
Fonte: http://tododiaonline.com.br/livro-polemiza-relacao-da-mpb-com-a-ditadura-militar/

GILMAR EITELWEIN - O historiador Gustavo Alonso está lançando um livro que promete polemizar o tema da arte e cultura em tempos de ditadura no Brasil. Disposto a desfazer alguns mitos e imagens criadas a partir da postura de vários artistas no embate contra o arbítrio, compõe algumas teses que confrontam principalmente teóricos da esquerda. O livro chama-se Simonal – quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga.

Desdobramento da dissertação de mestrado que Gustavo apresentou em 2007 à Universidade Federal Fluminense (UFF), ele está sendo lançado pela editora Record três anos após sua conclusão e simultaneamente a outra dissertação do autor, desta vez de doutorado, também focado no meio artístico-musical: Cowboys do asfalto: música sertaneja e modernização brasileira.

O recorte de Gustavo se estende à própria ditadura de 1964. Simonal é foco da análise ao lado de outro autor fundamental para entender as relações da arte com a política: Chico Buarque de Hollanda. Despreocupado em culpabilizar ou inocentar Simonal das acusações de deduragem que a partir de 1971 dizimaram uma carreira até então gloriosa, o historiador quer mostrar que Simonal era um apoiador da ditadura, sim, mas estava longe de ser o único. Invertendo o ponto de vista habitual, encaixa seu personagem à evidência de que o arbítrio existiu não devido à passividade e apatia da sociedade brasileira, mas porque a maioria dessa sociedade o apoiou, legitimou e aplaudiu.

Em matéria publicada nesta sexta-feira (1/7) no jornal Folha de São Paulo, e assinada por Pedro Alexandre Sanchez, o historiador defende que memórias como a de um Chico Buarque heroico, defensor de todos contra os militares, seriam uma construção (ou distorção) posterior, assim como a de um Wilson Simonal maquiavélico e solitário na defesa de um regime, contra todo um país de vítimas 100% inocentes.

Esquerda-direita – Na entrevista, onde Gustavo Alonso se define de esquerda, mas busca distorcer e até renegar um pouco os compartimentos ideológicos presentes, ele afirma que em toda esta discussão sempre preferiu o Tropicalismo, “à medida em que ele é e não é a esquerda, e é e não é a direita”. Nascido em 1980, confessa que não viveu o período autoritário, sequer o movimento dos festivais dos anos 60.

Para ele, Simonal era um cara que, como a maior parte da sociedade brasileira, “estava vivendo a ditadura como uma solução, e não como uma coisa a ser combatida. Vivia como expressão dos seus próprios desejos, autoritários, sim, antidemocráticos, sim, desenvolvimentistas e economicistas, sim”. Sobre a possibilidade de um artista ingênuo, ele desfigura; Simonal não era ingênuo em nenhum momento.

“Além de transformá-lo em vítima, o transformam em vítima como se fosse apolítico, como se não se envolvesse nas discussões. Pelo contrário, estava sempre afirmando coisas, dizendo. Uma parte da academia tem essa ideia de que as pessoas eram caladas, reprimidas, que se tivessem o direito de falar falariam contra a ditadura. Mas o que a gente vê na música mais popular é que eles estão performando o regime, mais do que estão compactuando. É o regime que compactua com eles, é legal inverter”.

Gelatina – O autor faz uma comparação com Pelé.

“É a mesma situação, mas o Pelé é mais gelatina. Roberto Carlos sempre foi gelatina, sempre fugiu dessas discussões. Simonal é o contrário do Roberto nesse sentido. Ele metia o dedo, era chato, provocante, irônico, debochado. Tanto é que o tom do escárnio que se tinha com Simonal depois da queda é muito parecido com o tom que Simonal tinha antes com as esquerdas louvadoras do samba. O maior problema é que inocentar o Simonal é continuar vendo o problema pela metade. É mais que isso, é tentar reintegrá-lo ao padrão da MPB sem problematizar a ditadura na MPB”.

Para o autor, Simonal “era Roberto Carlos com Jorge Ben e com Chacrinha, os três juntos, os três mitos dos anos 1960 para o tropicalismo, reunidos na mesma pessoa”. Então, questiona, por que o tropicalismo não o incorporou? “É a mesma questão que levanto pro Chico. Até a volta do exílio a memória que se tinha dele era do cara muito bom por fazer músicas tradicionais, “o novo Noel Rosa”. Esteticamente ele sempre foi visto como um grande cara, desde o começo, eu não negaria isso, mas politicamente ele não era visto como combativo. Chico era feito não só pelas esquerdas no início dos anos 1970. Volta e meia era incorporado pela direita, Jarbas Passarinho gostava dele. Chico agradava uma determinada direita folclorista”.

Muitas afirmações polêmicas saem da boca de Alonso. A menos delas é reconhecer que, mesmo jovem e não tendo vivido a época, a ditadura brasileira era uma ditadura civil-militar.

“Essa imagem dos militares como salvadores da pátria não foi forjada ali, vem desde a Guerra do Paraguai, nos vários golpes preventivos que os militares deram no século XX, todos dentro desse imaginário do exército como representação da sociedade”, diz. “Não tenho nenhum apego ao exército, mas a sociedade se vê representada nele. É o Bope. Então havia os resistentes, que eram pouquíssimos, e do outro lado as velhas senhoras que apoiavam o regime, o CCC, a Tradição, Família e Propriedade? Não é bem assim. O apoio ao regime era muito maior que esses espectros tradicionalmente conservadores”.

Veja Rio, 20/07/2011

Coluna Memória da Cidade
por Lula Branco Martins

O cantor Wilson Simonal sempre comandou a massa com charme, bossa e muitas gírias. Em 1971, porém, caiu em desgraça depois que a esquerda, raivosa com a acusação de que ele supostamente estaria ligado a órgãos da repressão, o colocou em total ostracismo. Em 2009, biografia e filme revisitaram o líder da Pilantragem, movimento musical que em 1969 fez vibrar o Maracanãzinho. Um novo livro sobre o artista, Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga, será lançado pela Record no fim do mês. "Se vários nomes da MPB também bajularam a ditadura, por que para Simona não houve perdão?", pergunta Gustavo Alonso, autor da obra. Na foto, o astro carioca brinca com o boneco Mug, ícone dos anos 60.

Fontes: http://vejario.abril.com.br/edicao-da-semana/vejarj-2226-historias-cariocas-633712.shtml

Crítica da entrevista na Fórum pelo jornalista Luis Nassif

A MPB nos tempos da ditadura
por Luis Nassif

Fonte: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-mpb-nos-tempos-da-ditadura-0

Acompanhei de perto esse período mencionado pelo historiador Gustavo Alonso – que na entrevista a Pedro Alexandre Sanches, na revista Fórum (abaixo) analisa a politização da música brasileira no período da ditadura. Aliás, desisti de ser crítico de música da Veja, aos 24 anos, devido ao terrível patrulhamento que permeava o setor – como uma compensação pelo fato de pouco se poder falar contra a ditadura na política e na economia.

Criou-se um clima terrível, no qual as maiores vítimas eram os músicos, tanto os amaldiçoados, como Simonal, como os medalhões, como Chico e Caetano.

Jamais Chico ou Caetano se arvoraram em líderes contra a ditadura. Sempre foram suficientemente inteligentes para perceber seus limites políticos. Preocupavam-se em exercitar sua arte e a reagir aos esbirros da censura. E jamais Chico Buarque se outorgou o papel de símbolo. Sua estatura moral decorreu da sua música, do seu caráter, de nunca ter se metido em quizílias, em jogadas oportunistas. Geraldo Vandré foi o único compositor de peso no período a pretender um ativismo um pouco além da música - mas sempre usando a música como arma.

O grande problema é que a MPB, apesar de um público universitário amplo, era muito pequena para exercer qualquer papel político significativo. Vinha de uma certa tradição latino-americana erigir músicos em líderes populares – Violeta Parra, por exemplo. Como era um dos poucos setores com espaço na mídia, foi o próprio jornalismo cultural – e o Pasquim – que tentou transformar músicos em heróis ou vilões. E, obviamente, a enorme burrice dos censores, procurando pelo em ovo – eu, insignificante compositor mal saído da adolescência, tive uma música censurada em um Festival Universitário porque a letra (de meu parceiro João Cleber Jurity) falava em "bengala gala", e o censor descobriu que no nordeste "gala" significava esperma de galo.

O tom do patrulhamento foi dado pelo Pasquim, com seu estilo complicado – havia o Cemitério dos Zumbis, de Henfil, que chegou a "enterrar" Elis Regina e Clarice Lispector por serem "alienadas"

Tanto Chico quanto Caetano se tornaram malditos do regime por suas incursões estéticas, por suas músicas e peças, Chico pela intragável "Roda Viva", Caetano e Gil pelo Tropicalismo.

(Em São João da Boa Vista alugamos um ônibus para assistir o Roda Viva. Voltamos absolutamente decepcionados com a agressividade gratuita da peça, com os atores procurando "interação" forçada com o público.)

Na época, qualquer evento era motivo para manifestações barulhentas dos estudantes, muitas vezes sem nenhum filtro ideológico.

Não se deve esquecer que os três foram tremendamente vaiados pelos universitários "politizados" – Chico no episódio do "Sabiá", Caetano e Gil no Festival Internacional, com "É proibido proibir". A música, aliás, era um desabafo contra a censura dos militares mas também contra o patrulhamento dos militantes. Mais do que contra o regime militar, era contra o terrível clima de disputas políticas (no âmbito do público universitário) que sufocava qualquer manifestação artística. O CCC espancou os atores do Roda Viva; os politizados espancaram "Sabiá". Os mpbzistas fizeram passeatas (!) contra a guitarra e contra a Jovem Guarda.

Havia uma ebulição permanente no ambiente universitário qie seria para tudo e para nada, muitas vezes sem nenhum filtro ideológico mais apurado.

Lembro-me de outro festival universitário da Tupi, no qual Fernando Faro tentou inovar montando uma proposta estética diferenciada. Minhas músicas "certinhas" foram desclassificadas. Entrou uma música experimental (bem ruinzinha). Com receio da indiferença, resolvemos ao menos provocar vaias. E entramos no palco vestidos de mendigos. Foi uma vaia só. Aí o apresentador pegou o microfone, espinafrou o público, disse que era contra o que fazíamos mas defenderia até a morte nosso direito de fazer. E o público se calou, para nossa decepção.

Nome do apresentador: Flávio Cavalcanti, símbolo máximo do regime militar na televisão. Voltamos para São João e Poços decepcionados: nossos ídolos, os agitadores universitários de São Paulo, calavam-se como crianças mal comportadas levando bronca do bedel.

Chico se consagrou com o grito de desabafo "Apesar de Você", refletindo o maravilhoso estado de espírito nacional, quando a democracia começa a voltar; assim como "Coração de Estudante", de Milton Nascimento.

Mas, mal começou a abertura, com a antiga oposição tomando o poder e se esfarelando em disputas por cargos, deu uma entrevista tirando o time de campo. Não se leu mais entrevista política de Chico, apenas manifestações de apoio a Lula em períodos eleitorais. É injusto com ele falar em oportunismo político com "Apesar de Você". Ora, se o compositor popular não capta o clima da opinião pública, que raio de popular é ele?

O grande problema da análise da MPB no período – que acomete a Internet, nas disputas ideológicas – é se tomar a parte pelo todo. A parte era um mundo pequeno, composto de críticos, músicos e um público restrito.

Como constata Alonso, a maioria da população apoiava a ditadura. E amava Chico.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Crítica do livro, por Pedro Alexandre Sanches

PAÇOCA: Autor considera Simonal bode expiatório dos que apoiaram a ditadura

Por Pedro Alexandre Sanches

Lá se foram 40 anos desde que o cantor Wilson Simonal foi pela primeira vez acusado de ser um “dedo-duro”, um colaborador da ditadura militar plantado na frente avançada da música popular brasileira. Ele permanece sendo o incômodo bode na sala da história heroica da MPB de seu tempo, mesmo depois do advento de trabalhos que insinuaram linhas possíveis de inocentação, como a biografia Nem Vem Que Não Tem – A Vida e o Veneno de Wilson Simonal (Globo, 2009), de Ricardo Alexandre, e o documentário cinematográfico Simonal – Ninguém Sabe o Duro Que Dei (do mesmo ano), codirigido por Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal.

Em 2011, um novo livro chega ao mercado editorial propondo uma nova reviravolta no caso mais perturbador da história da MPB. É o ensaio Simonal – Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga (Record), escrito pelo historiador Gustavo Alves Alonso Ferreira. Não se trata de adicionar grandes novidades à trama intrincada que levou o cantor carioca partir da fama absoluta, em 1971, para o completo ostracismo, poucos minutos depois.

Menos que isso, Gustavo Alonso estranha os esforços recentes por recuperar a imagem de Simonal por intermédio da negaçäo de suas responsabilidades e o trata, na contramão dessa tendência, como responsável por seus próprios altos (ou como “culpado”, como gostariam de rotular os fantasmas da família, da tradição e da propriedade).

O historiador empurra a história adiante, se esforçando antes por livrar Simonal (ou qualquer outro personagem) do papel inglório do bode expiatório. A defesa que faz é incômoda tanto à direita quanto à esquerda, justamente porque agarra os calcanhares da evidência também incômoda de que Simonal caiu em desgraça junto à esquerda que lutava contra a ditadura militar, mas, identicamente, junto à direita para a qual o cantor trabalharia como cúmplice delator.

Para ler o artigo completo e outras matérias confira edição de junho da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou clique aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.

Fonte: http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/component/content/article/153-edicao-171/1744-pacoca-autor-considera-simonal-bode-expiatorio-dos-que-apoiaram-a-ditadura

Entrevista a Pedro Alexandre Sanches na Revista Fórum

O silêncio dos inocentes

Livro do historiador Gustavo Alonso questiona mitos da MPB à época da ditadura militar e defende que o arbítrio existiu não devido à passividade e da sociedade brasileira, mas porque a maioria dessa sociedade o apoiou, legitimou e aplaudiu.
Por Pedro Alexandre Sanches

Chico Buarque é o anti-Wilson Simonal. Essa tese não é o fio condutor do livro ensaístico Simonal – Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga, do historiador Gustavo Alonso. Mas é a conclusão mais polêmica e perturbadora a que chega o trabalho de um pesquisador que se afirma de esquerda, mas está disposto a contestar mitos e dogmas acalentados desde a ditadura cívico-militar brasileira, seja à direita ou à esquerda.

O livro é desdobramento da dissertação de mestrado que Gustavo apresentou em 2007 à Universidade Federal Fluminense (UFF). A demora de três anos da Record em editá-lo faz com que chegue simultaneamente à conclusão de sua tese de doutorado, sob o título Cowboys do asfalto: música sertaneja e modernização brasileira. A linha seguida em ambos é análoga à do também historiador Paulo Cesar de Araújo, autor do livro Eu não sou cachorro, não (Record, 2002), que explicitava preconceitos classe escondidos atrás da habitual trincheira de guerra aberta entre a sigla MPB e grupos artísticos rejeitados por ela.

O recorte de Gustavo se estende à própria ditadura de 1964. Despreocupado em culpabilizar ou inocentar Simonal das acusações de deduragem que a partir de 1971 dizimaram uma carreira até então gloriosa, o historiador quer mostrar que Simonal era um apoiador da ditadura, sim, mas estava longe de ser o único. Invertendo o ponto de vista habitual, encaixa seu personagem à evidência de que o arbítrio existiu não devido à passividade e apatia da sociedade brasileira, mas porque a maioria dessa sociedade o apoiou, legitimou e aplaudiu.

Memórias como a de um Chico Buarque heroico, defensor de todos contra os militares, seriam uma construção (ou distorção) posterior, assim como a de um Wilson Simonal maquiavélico e solitário na defesa de um regime, contra todo um país de vítimas 100% inocentes. É onde Chico seria o anti-Simonal, embora isso nunca seja proferido.

Gustavo, niteroiense nascido por acidente na cidade paulista de Aparecida, durante uma viagem do pai engenheiro e da mãe nutricionista, desenvolve na entrevista abaixo a provocação, questionando o papel de resistência atribuído à peça teatral Roda Viva (1968), de Chico, ou traçando semelhanças entre a hoje hegemônica Tropicália e o movimento da pilantragem, proposto por Simonal e interrompido com sua derrocada.

Fórum – De que lugar ideológico você defende as hipóteses de seu livro?

Gustavo Alonso – Eu me defino como de esquerda. Ainda acho essas categorias válidas, mas não estou muito disposto a adubar, proferir ou louvar certas histórias que foram contadas e viraram mitologia, mesmo na esquerda. Acredito que esquerda e direita existem, sim, mas gosto de desestabilizá-las e distorcê-las um pouco. Se é que se pode meter outra questão nessa polêmica, prefiro o tropicalismo, à medida que ele é e não é a esquerda, e é e não é a direita. Talvez seja a esquerda da esquerda, não sei. É melhor que a crítica da esquerda venha da esquerda. A crítica de direita volta e meia cai num moralismo muito grande. Sou de 1980, da geração que não viveu o auge da MPB, os festivais, os anos 1960 e 1970. Não gosto da palavra declínio, mas a MPB já não era o que era antes, e minha geração teve que lidar com esse legado. Algumas pessoas dizem: “Ah, você não viveu”. Como se fosse necessário viver a escravidão pra saber o que ela foi.

Fórum – Você não viveu também o auge da ditadura. O que isso significa para seu trabalho?

Gustavo – (Silêncio.) Boa pergunta. (Silêncio.) A questão da ditadura é um pouco a mesma questão da MPB. Talvez ter vivido naquele período intenso impossibilite perceber certas coisas através da memória, até porque a memória pode construir noções que não correspondam tanto à realidade. Talvez o olhar desta geração possa abrir novas possibilidades de análise e entendimento. Acho que o fato de eu não ter vivido a ditadura não chega a ser uma desvantagem. Também não diria que é uma vantagem, não. É um outro olhar. Falando disso mais pessoalmente, minha família, principalmente minha mãe, tem a referência da resistência à ditadura muito forte dentro dela. No entanto, as questões da esquerda da época não fazem sentido nenhum para ela. Questão da terra? É a favor do grande produtor rural. Igualdade social? Não, não tem que ter igualdade pra todo mundo. Encontrei o diploma de engenheiro do meu pai e vi que ele se formou em 17 de dezembro de 1968, quatro dias depois do AI-5. Meu pai não tem lembranças positivas da ditadura, mas nem negativas. Perguntei: “Pai, você se lembra da promulgação do AI-5?” “Não.” “Mas, pô, foi quatro dias depois, você não se recorda se teve confusão?” “Não, não teve.”

Fórum – Seu pai é o brasileiro médio de que você fala no livro, como Simonal?

Gustavo – É, um pouco indiferente, mas que ao mesmo tempo teve sua vida construída durante o período, como grande parte da sociedade brasileira. Eu queria menos tentar repudiar isso, afinal, bem ou mal, sou fruto disso, e mais tentar entender. Como assim? Como se viveu a ditadura de forma normal? Como apenas 4 mil pessoas estiveram direta ou indiretamente envolvidas com a resistência? Que legitimidade tinha essa ditadura na sociedade? A que anseios autoritários ela respondeu? Isso me possibilitou uma percepção para além da memória, porque essa memória eu não tenho. Não lembro o que é Medici discursando, ou Simonal cantando, ou Caetano no festival. Tenho a lembrança de vídeos. O livro teve inspiração nos questionamentos que a gente anda tendo no Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC) da UFF, com Daniel Aarão Reis, Denise Rollemberg, uma série de professores que vêm tentando repensar a ditadura, o apoio, a legitimidade, o consenso. Não para dizer que era válida, que é a leitura que a direita faz e muitas vezes a própria esquerda também faz dessa interpretação – ou seja, de que estamos relativizando a ditadura e por isso compactuamos com ela. Não é disso que se trata. Daniel Aarão, que é meu orientador, foi um dos caras que sequestraram o embaixador norte-americano. E é acusado por uma parte da própria academia de ser de direita.

Fórum – A mídia nos últimos anos tem a obsessão de querer determinar se Simonal era culpado ou inocente. Vou martelar nessa tecla, até porque sua posição parece diferente de todas as outras. Simonal era inocente ou culpado?

Gustavo – (Respira fundo. Silêncio.) Também não tenho provas cabais de nada, não consegui achar. Eu diria: ele seria um cara que poderia dedurar. Mas quem ele iria dedurar especificamente, Chico, Caetano? Não precisaria da pessoa dele para fazer isso. Mas era um cara que, como a maior parte da sociedade brasileira, estava vivendo a ditadura como uma solução, e não como uma coisa a ser combatida. Vivia como expressão dos seus próprios desejos, autoritários, sim, antidemocráticos, sim, desenvolvimentistas e economicistas, sim. Tentar trabalhar com um Simonal ingênuo? Ele não era ingênuo em nenhum momento. Além de transformá-lo em vítima, o transforma em vítima como se fosse apolítico, como se não se envolvesse nas discussões. Pelo contrário, estava sempre afirmando coisas, dizendo. Uma parte da academia tem essa ideia de que as pessoas eram caladas, reprimidas, que se tivessem o direito de falar falariam contra a ditadura. Mas o que a gente vê na música mais popular é que eles estão performando o regime, mais do que estão compactuando. É o regime que compactua com eles, é legal inverter.

Fórum – Sem entrar em questões maniqueístas de “inocente” e “culpado”, você defende que Simonal não era um cara inocente.

Gustavo – Sim, não foi escolhido para bode expiatório à toa. Bode expiatório é bode. Que ele era favorável ao regime, é inegável – como a maior parte da sociedade brasileira. Foi pro México, serviu de embaixador da música brasileira, do futebol, da sociedade. É a mesma situação do Pelé, mas o Pelé é mais gelatina. Roberto Carlos sempre foi gelatina, sempre fugiu dessas discussões. Simonal é o contrário do Roberto nesse sentido. Ele metia o dedo, era chato, provocante, irônico, debochado. Tanto é que o tom do escárnio que se tinha com Simonal depois da queda é muito parecido com o tom que Simonal tinha antes com as esquerdas louvadoras do samba. O maior problema é que inocentar o Simonal é continuar vendo o problema pela metade. É mais que isso, é tentar reintegrá-lo ao padrão da MPB sem problematizar a ditadura na MPB.

Fórum – Qual é sua leitura do papel de Chico Buarque, tido como um herói que nos defendeu da ditadura?

Gustavo – Não estou aqui pra dizer que essa imagem não tem validade. Ao contrário, está provado que é uma boa imagem. Mas ele não nasceu resistente, não é resistente desde o bercinho. Isso fica muito nublado na historiografia e na academia. Porque é o público dele, o público universitário. Mas a imagem do Chico “Apesar de Você” (1970) é jogada pra trás. É colocada lá desde 1966, tem livros que insistem em falar que em 1964 Chico juntou molotov em casa. Estou pouco interessado nessa grande questão, quero entender que imagem a sociedade tinha dele, assim como de Simonal. Ele podia resistir, mas inicialmente a sociedade não comprava essa imagem. Poderia juntar coquetel molotov, mas daí à sociedade percebê-lo como resistente depende de uma mediação. E tinha os tropicalistas falando que ele era avô musical. Roda Viva é constantemente supervalorizada na obra do Chico. A gente compactua com uma imagem que o próprio Chico quer construir dele, do literato, que daqui a pouco vai entrar na Academia Brasileira de Letras. Não se trata de afirmar o bom ou ruim romancista, como foi o debate com a Companhia das Letras, a Record, a Veja. O texto de Roda Viva é uma crítica à jovem guarda. A questão é que foi montada pelo Zé Celso Martinez Corrêa. Aliás, é engraçado que não existe o livro Roda Viva. Foi lançado lá em 1968 e depois nunca foi reeditado, e o próprio Chico considera uma peça menor, já falou em várias entrevistas que não gosta muito.

Fórum – Outra lebre que você levanta é da tradução do livro Yellow Submarine, dos Beatles, pelo Nelson Motta, que também nunca foi reeditada.

Gustavo – É aquela confusão entre pilantragem e Tropicália. Pepperland virou Pilantrália e o chefão lá da terra virou Superbacana (título de uma canção tropicalista de Caetano). Nelson Motta misturou os dois, nesse espírito do colorido, da ironia, da brincadeira. Toda vez que levantei essa questão da semelhança, na própria academia, tomei pau. Com exceção do Caetano, todas as pessoas que entrevistei, inclusive os pilantras, reagiram contra essa semelhança.

Fórum – É dessas convenções que todos repetem igual sem muito saber por quê.

Gustavo – A memória que se constrói hoje sobre Simonal quer recolocá-lo na MPB, e pra recolocá-lo não pode problematizar a MPB, o tropicalismo, a bossa nova. Tem que colocar ele de volta lá, então tem que falar ele era um bom bossanovista, um showman maior que Roberto. Nesse ponto, Caetano acaba ficando muito parecido com a memória daqueles que ele combateu na esquerda mais tradicional. Ele, e os tropicalistas em geral, se coloca como um vanguardista, um visionário – e é de fato. Mas isso explica também, em parte, o esquecimento do Simonal. Até recentemente, era a memória fundada no dedo-duro, ou então não se falava do Simonal. E o tropicalismo ajudou, não a dizer que era dedo-duro, mas a silenciar, porque afirmar Simonal seria colocar ele como concorrente. Ele era Roberto Carlos com Jorge Ben e com Chacrinha, os três juntos, os três mitos dos anos 1960 para o tropicalismo, reunidos na mesma pessoa. Por que o tropicalismo não incorporou? É a mesma questão que levanto pro Chico. Até a volta do exílio a memória que se tinha dele era do cara muito bom por fazer músicas tradicionais, “o novo Noel Rosa”. Esteticamente ele sempre foi visto como um grande cara, desde o começo, eu não negaria isso, mas politicamente ele não era visto como combativo. Chico era feito não só pelas esquerdas no início dos anos 1970. Volta e meia era incorporado pela direita, Jarbas Passarinho gostava dele. Chico agradava uma determinada direita folclorista.

Fórum – E o texto de Roda Viva, na sua opinião, não era de resistência?

Gustavo – O texto, tenho certeza absoluta que não é, não era contra a ditadura. Não há nada ali, só há uma denúncia da indústria cultural, do rock, da música importada. A gente acaba compactuando com a imagem que o Comando de Caça aos Comunistas deu pra Roda Viva. O que o CCC via? Via como uma peça subversiva. Aí dizemos: Roda Viva era uma peça subversiva, por isso foi reprimida, acuada, invadida pelo CCC. Essa imagem não se sustenta no texto. Tanto é que a montagem gerou problemas com o Chico Buarque. Zé Celso queria problematizar a chicolatria, chegou a propor um cartaz com os olhos de Chico boiando no cartaz como se fosse num açougue, ironizando a chicolatria. Quem tinha esse perfil debochado, irônico, era o Zé Celso, mas isso é creditado ao Chico, pra provar que ele estava resistindo lá em meia oito.

Fórum – O livro fala do exílio na Itália como divisor de água entre os dois Chicos.

Gustavo – Esse período na Itália é interessante pra repensar essa metamorfose do Chico, mas não chega aqui no Brasil. Eu só soube pelo Luca Bacchini, um italiano que fez essa tese lá. Chico Buarque foi vendido na Itália como um cantor de protesto. Era isso que os italianos queriam, ou a gravadora RCA achava que queriam – ele não fez nenhum sucesso lá. Achavam que assim iam fazer dos discos dele um sucesso, mas logo perceberam que só “A Banda” tocava lá.

Fórum – A RCA se baseou no que estava acontecendo no Brasil, que existia uma ditadura e uma resistência contra ela?

Gustavo – É, uma sala secreta de uma gravadora percebeu isso. Nesse caso a indústria cultural ajudou a forjar a imagem do Chico Buarque, o que é paradoxalíssimo. Ele acatou essa forma de ser vendido, mas parece que foi percebendo que era um desejo de um determinado grupo social no qual estava inserido. Depois dessa experiência italiana, ele meio toma a tocha do Geraldo Vandré. Não só ele, vários artistas perceberam que convinha cantar um som mais identificado às universidades, que sempre foi o público da MPB. É uma percepção que não veio desde o berço, se deu no cotidiano, nas disputas. Elis Regina fez isso. Chico percebeu logo, e depois disso virou esse mito. A imagem que ele quer pra si e a que a sociedade tem dele são muito coladas, muito simbióticas. Ficou tão forte que algumas problematizações que eram jogadas pra outros artistas não eram jogadas pro Chico. Ele nunca foi questionado, por exemplo, por gravar por uma grande multinacional. Era um compositor inicialmente de sambas, modernos, mas sambas. Como assim, se você está defendendo um ideário nacional, popular? Deveria ser um problema para pessoas que têm um ideal nacional-popular com cores revolucionárias.

Fórum – Não é curioso que Chico passou a se negar a politizar sua obra e hoje se recusa a dar entrevistas? Talvez já tenha se tocado disso tudo?

Gustavo – Tendo a achar que sim. Ele é atento a essas questões. Ao mesmo tempo, é refém dessa imagem de medalhão, que ele mesmo e os outros criaram pra ele. Como Simonal também era refém da imagem que se criou dele. Por isso acho interessante pensar os dois juntos.

Fórum – Chico é o anti-Simonal? Isso não é verbalizado, porque se não existia o Simonal não existia também o anti-Simonal. Mas existia.

Gustavo – Na memória coletiva ficou entronizado assim, o que foi extremamente lucrativo pra ele, e ainda é. Sou um cara que passou a ouvir Chico com 21 anos. Não gostava, sinceramente, achava música de velho. Minha geração tem a possibilidade de fugir do mito de Chico Buarque, o que não é de nenhuma forma desmerecê-lo, mas tentar compreender de que forma esse mito foi gestado. Isto me espanta: as pessoas, na universidade, têm mil teorias pra explicar a complexidade do mundo, mas citou Chico Buarque, acabou a complexidade, chapou tudo, Chico resistiu e acabou, ponto. Comecei a pensar essas coisas naquela onda insuportável de Los Hermanos, em 2003. Adoro Los Hermanos, mas os losermaníacos são muito chatos, não consigo conversar com eles. São chicólatras nesse sentido, nada é comparável, nada chega a esse degrau. Outra coisa que me levou a pensar essas questões foi aquele plebiscito das armas, em 2005. Fiquei muito impressionado com o tom agressivo da sociedade. Eu era contra as armas, fui acusado de ser pró-Globo, de querer que a população fosse passiva. O tom era agressivo, ostensivo, meio Veja, principalmente da galera a favor da continuação das armas.

Fórum – É mesma sociedade que quis uma ditadura algumas décadas antes? É o que você diz no livro: a sociedade quis, permitiu, apoiou, e hoje tem vergonha, e Simonal é um bom bode expiatório pra deixar tudo embaixo do tapete.

Gustavo – Sim, mas o mais interessante sobre o Simonal é a reabilitação, a inocentação. Daqui a pouco todo mundo vai estar inocente, ninguém apoiou. Já é meio assim.

Fórum – A ditadura existiu porque a maioria da sociedade queria?

Gustavo – Infelizmente. A própria noção de ditadura militar corrobora isso, como se a ditadura tivesse sido militar. Os presidentes foram militares, mas todo o staff deles era civil. O Congresso fechou algumas vezes, mas havia Congresso. Mais que isso, havia eleições. Com meus familiares esse é um ponto que sempre incomoda muito, quando pergunto: “Vem cá, você votava em quem?”. “Não, não votava.” “Como não votava? Você era servidor público, como não votava?” “Não, não tinha eleição, não.” “Não, calma aí, tinha.” Não conseguem responder. Simplesmente esqueceram que iam votar.

Eu estava pesquisando os festejos de 1972 sobre os 150 anos da Independência do Brasil. Foram muitas festas, o corpo de Dom Pedro I veio de Portugal transladado pra ficar no Museu do Ipiranga, visitou todas as capitais, e em todas as capitais teve uma multidão recebendo o corpo. Teve as Olimpíadas do Exército, um mundialito de futebol, os filmes, Independência ou Morte. Era o auge do Milagre Econômico, antes da crise de 1973. Pergunto pras pessoas que viveram: “Não, quem estava lá na rua era obrigado, era estudante que a escola tinha que ir”. Pelos jornais da época, não era bem assim. É triste reconhecer isso, mas me parece melhor do que ficar simplesmente com a noção de que a sociedade foi vítima, não tinha nada a ver. Quem não sabia que as pessoas eram torturadas? Isso não dá. Esse é o problema da imagem inflada do Pasquim e do Chico, parece que estavam falando aquilo que a sociedade falaria se não estivesse calada. Não, quando se incita a sociedade a falar, ela performa aquilo que o regime vai ser no futuro.

Fórum – Ou seja, a sociedade faz a ditadura, e não o inverso.

Gustavo – É, e é uma ditadura civil-militar. E essa imagem dos militares como salvadores da pátria não foi forjada ali, vem desde a Guerra do Paraguai, nos vários golpes preventivos que os militares deram no século XX, todos dentro desse imaginário do exército como representação da sociedade. Não tenho nenhum apego ao exército, mas a sociedade se vê representada nele. É o Bope. Então havia http://www.blogger.com/img/blank.gifos resistentes, que eram pouquíssimos, e do outro lado as velhas senhoras que apoiavam o regime, o CCC, a Tradição, Fahttp://www.blogger.com/img/blank.gifmília e Propriedade? Não é bem assim. O apoio ao regime era muito maior que esses espectros tradicionalmente conservadores.

Outra coisa que ajudou muito a pensar a ditadura, me entenda corretamente, foi o governo do Lula. Não o governo em si, que é totalmente diferente, mas me chamaram atenção os 80% de aprovação do Lula. É igual ao que o Medici tinha. A sociedade não era passiva, nem o Simonal era passivo ou ingênuo.

Fonte: Revista Fórum, N. 99. http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_materia.php?codMateria=9257 ou no site do P.A. Sanches: http://farofafa.com.br/2011/06/29/o-silencio-dos-inocentes/#comments

Crítica ao livro: o tom é parecido com os arautos das direitas... mas o autor se diz esquerdista "da gema". Alegria, alegria, pessoal!

sexta-feira, 24 de junho de 2011

LIVRO SOBRE SIMONAL E A CRISE DA MPB

Por Alexandre Figueiredo

Está em lançamento um livro que acirrará as discussões sobre a crise da MPB, mas que redundará no mesmo maniqueísmo cafonice/sofisticação que tempera os parcos debates da turma da visibilidade plena.

Pedro Alexandre Sanches, desta vez, "rachou" um mesmo tema para a revista Fórum e a Caros Amigos. Na primeira, publicou uma entrevista, na segunda uma resenha, sobre o mesmo livro, Simonal - Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga, que Gustavo Alonso lança pela Editora Record.

Sanches, na reportagem-entrevista da Fórum, puxou a brasa para sua sardinha cafona, em tempos de 80 anos de FHC, citou Paulo César Araújo, que no ano do apagão de 2001 fez um livro que se tornou obra básica para entender a aplicação da Teoria da Dependência de FHC e Enzo Faletto aplicada à música brasileira: Eu Não Sou Cachorro, Não, também pela Record.

No seu projeto ideológico, o pupilo de Otávio Frias Filho, em suas entrevistas, às vezes escreve ou comenta sobre a (suposta) injustiça vivida pelos brega-popularescos. Suposta, porque eles são o establishment, embora oficialmente não se reconheça isso. Mas aqui a missão se aproxima mais de uma iconoclastia à chamada elite da MPB, que é aquele lado ABL da música brasileira.

O livro de Gustavo Alonso, a princípio, só coincide com o livro de PC Araújo, supracitado, no esforço de combater as chamadas "vacas sagradas" da MPB. O alvo é sobretudo Chico Buarque, cujo perfil combativo durante o regime militar, certamente, é superestimado. Mas há uma ânsia incrível em desmitificá-lo, como quem desejasse derrubar uma estátua pelo simples prazer de derrubá-la.

Para quem desejaria ver como "heróis" Chimbinha, Gaby Amarantos e Tati Quebra-Barraco, como o colonista-paçoca, faz sentido uma ânsia, por mais respeitosa que seja, de ver Chico Buarque como um oportunista que se enriqueceu durante o regime miltar com seu "suposto" engajamento.

Gustavo Alonso até não pega tão pesado quanto PC Araújo - que tentou promover os ídolos cafonas como se fossem "cantores de protesto" e achava que quem fazia a trilha sonora dos anos de chumbo era o compositor de "A Banda" e "Vai Passar" - , mas contribuiu para a lavagem de roupa suja da Editora Record, que não gostou de ver o compositor e escritor ganhar um prêmio literário, em detrimento de um romance de Edney Silvestre, jornalista da Globo, publicado pela editora.

Também a reportagem, da parte de Pedro Sanches, também é outra revanche de querer "derrubar" um mito cuja irmã é a ministra da Cultura Ana de Hollanda que, como cantora, é ligada à ala "biscoito fino" da MPB, antipatizada pelo colonista-paçoca.

Mas o que surpreende na obra é a mea culpa que Gustavo parece atribuir ao povo brasileiro quando o assunto é regime militar, sobretudo durante o período do "milagre brasileiro". É certo que uma tradição conservadora de anos fez o povo defender o golpe militar e o "milagre brasileiro", mas aqui mostra-se uma ânsia de desqualificar as esquerdas no país, ainda que o autor do livro se diga "de esquerda".

O que aliás é uma mancha que tira de Pedro Sanches qualquer mérito dele ser reconhecido como imprensa de esquerda. Até porque parecia que era ontem que ele servia a outros senhores: Frias, Civita e Marinho.

Evidentemente a desqualificação de Chico Buarque segue a mesma lógica da desqualificação dos CPC's da UNE e do ISEB, feita por uma intelectualidade amestrada desde os anos 80 pelo pré-tucanato da USP. E que gerou as bases teóricas para a defesa do brega-popularesco no fim da Era FHC, por PC Araújo, Hermano Vianna, Pedro Sanches e outros.

É uma lógica de desqualificar projetos progressistas de cultura popular, e, em oposição aos mesmos, criar um outro paradigma de "cultura popular" associado a regras mercadológicas do neoliberalismo, e bem ao gosto dos barões da mídia, do entretenimento e do atacado & varejo.

SIMONAL - Quando li o livro de Ricardo Alexandre sobre Wilson Simonal, Nem Vem Que Não Tem - A Vida e o Veneno de Wilson Simonal (Editora Globo), constatei, refletindo, que o episódio que classificou o cantor de "dedo duro" foi, na verdade, fruto de um desentendimento entre o cantor e dois seguranças, que resolveram se vingar e espalhar a versão de que "Simona" torturou e sequestrou um sócio e que iria denunciar, feito um macartista brasileiro, artistas que estivessem engajados em combater o regime militar.

Wilson Simonal, como disse Gustavo Alonso, certamente não era ingênuo. Mas seu sucesso estrondoso foi algo que lhe escapou ao controle. Simonal criou uma empresa para cuidar de sua carreira, o que talvez fosse demais para um sucesso tão meteórico. E, com os problemas trabalhistas, veio o desentendimento com um sócio. E depois uma discussão com seus seguranças. E aí estes resolveram destruir a carreira do cantor, com a boataria.

Simonal não era de esquerda nem de direita. E era um artista ímpar, que traduziu a influência da soul music com elementos de samba e Bossa Nova sem qualquer pedantismo e uma criatividade que misturava senso de humor e refinamento. Era um artista que ficava a meio caminho entre a sofisticação de Agostinho dos Santos e a johttp://www.blogger.com/img/blank.gifvialidade de Jair Rodrigues. E, curiosamente, Simonal imitou um e outro num de seus programas de TV.

O ponto positivo dos últimos anos é que a revisão de Wilson Simonal irá esclarecer o caso que abalou sua carreira, ainda que ele não esteja mais entre nós. Mas sua herança artística é devidamente seguida pelo herdeiro musical e biológico, Wilson Simoninha, que, se não fosse a mediocridade musical dominante em nossos dias, seria o cantor mais popular do país, no lugar dos sofríveis ídolos do esquecível "pagode romântico".

Fonte: http://mingaudeaco.blogspot.com/2011/06/livro-sobre-simonal-e-crise-da-mpb.html

Críticas ao livro... ou a sabe-se lá o que...

terça-feira, 28 de junho de 2011

PEDRO A. SANCHES E A "POPULARIDADE" DO REGIME MILITAR

Por Alexandre Figueiredo

Quando folheei a revista Fórum, semanas atrás, li a entrevista do "colaborador" Pedro Alexandre Sanches com o historiador Gustavo Alonso, autor do livro Quem Não Tem Swing Morre Com a Boca Cheia de Formiga, da Editora Record.

Sabemos que Record, Alonso e Sanches, juntos, parecem com vontade de derrubar a reputação dos Buarque, já que a Record perdeu um prêmio literário por causa de um livro de Chico Buarque, Alonso investiu numa desnecessária oposição entre Wilson Simonal e Chico Buarque e Sanches queria ver cair a "MPB biscoito fino" simbolizada não só por Chico, mas por sua irmã ministra e também cantora Ana de Hollanda.

E sabemos também que a campanha de Sanches contra essa facção da MPB no fundo não é mais do que um desejo de substituir alhos com bugalhos. Será que um MinC hipotético com Frank Aguiar no lugar de Ana de Hollanda e com a turma do Som Zoom Sat no lugar do ECAD faria a música brasileira mais "humana"?

Definitivamente, não. Ficaria pior. A MPB "biscoito fino", com todo o elitismo a que se atribui a esse grupo, pelo menos se compromete com a qualidade musical e com o zelo de nossa cultura, a despeito de seus membros serem de classes mais abastadas. Já a "cultura popular" de joelmas, chimbinhas, reginhos, marlboros, catras, belos, chitões, chicletões etc não é mais que um arremedo da cultura brasileira submetido aos padrões ianques do "deus mercado", aqui vigentes pela vontade da grande mídia nacional e regional.

Mas o que estranha na atitude de um jornalista que tenta se autopromover às custas da imprensa esquerdista, além de lançar em suas páginas e arquivos htm conceitos direitistas sobre "cultura popular", é o consentimento que o colonista-paçoca teve quando Alonso afirmou que a ditadura militar era "bastante popular".

Alonso chega mesmo a comparar o general Emilio Garrastazu Médici a Lula, como se quisesse, numa troca tendenciosa, "emprestar" o carisma lulista ao general dos primórdios do AI-5 e, por outro lado, dar a Lula uma suposta continuidade do "milagre brasileiro" que existiu há 40 anos.

DESQUALIFICAR AS ESQUERDAS

Na entrevista de Sanches com Alonso, fica subentendida uma vontade de desqualificar as esquerdas de nosso país. Sob o pretexto de criticar o "sectarismo" e a "patrulha" esquerdista, o jornalista e o historiador, ainda que se digam "esquerdistas" - mas essa "postura" até Fernando Henrique Cardoso diz ter - , parecem dispostos a promover uma imagem negativa dos movimentos esquerdistas, tidos como "radicais".

Afinal, não se trata de desqualificar os equívocos naturais de grupos como a Vanguarda Popular Revolucionária, por exemplo. Trata-se também de tentar uma associação hipotética de Chico Buarque com o regime militar, ainda que de uma maneira menos radical que Paulo César Araújo, o sinistro historiador que tentou promover os ídolos cafonas como "cantores de protesto".

O que está em jogo nisso tudo é que, ao redor de Chico Buarque, há outros referenciais autênticos que seriam desqualificados e desmoralizados junto a ele. Seu pai foi Sérgio Buarque de Hollanda, integrante de uma maravilhosa e prestigiada geração de intelectuais herdeira das lições do Modernismo de 1922, que se destacou sobretudo nos anos 40 e 50. Essa geração teve seu auge no respaldo ao ISEB, o corajoso Instituto Superior de Estudos Brasileiros que estudava um projeto de desenvolvimento autônomo para o Brasil.

Chico, seja por ele mesmo, seja por seu pai, também traz ramificações com os Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes, cujo legado hoje tornou-se injustiçado. Afinal, os CPC's da UNE também tinham ligações com o ISEB, mas se vinculavam com a modernidade cultural do início dos anos 60, como Edu Lobo, Carlinhos Lyra, Sérgio Ricardo e Nara Leão, que, fundindo-se com a sofisticação bossanovista, desenvolveu-se a admirável geração da MPB dos anos 60, paradigma hoje da geração "biscoito fino" tão reprovada pelo discípulo de Tavinho Frias.

Voltando à "popularidade" do regime militar, não existe um questionamento a respeito das condições de persuasão que as elites fizeram para conquistar a opinião pública. Além do mais, foi ignorada a ideia de que João Goulart, o "insuportável" político do Brasil progressista de 1961-1964, tinha sido muito popular em suas votações como vice-presidente brasileiro. Vale lembrar que se votava em separado para vice-presidente, conforme a Constituição de 1946 determinou.

E olha que Jango apavorou as elites brasileiras praticamente pelo mesmo projeto político e econômico que Lula desempenhou nos oito anos de seu mandato.

O pior de tudo é que Pedro Alexandre Sanches quer se impor como "o crítico musical de esquerda". Não é como Delfim Netto, o ministro do regime militar e artífice do "milagre brasileiro", cuja coluna na Carta Capital é um cantinho à parte que não se mistura à mídia esquerdista.

Ninguém diz que Delfim Netto é intelectual de esquerda. Mas Sanches, cuja teoria sobre cultura popular é "encharcada" de conceitos lançados por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto na Teoria da Dependência da linha weberiana e pohttp://www.blogger.com/img/blank.gifr Francis Fukuyama nos seus estudos sobre o "Fim da História" (Sanches demonstra defender o "Fim da História" para a MPB), quer estar associado à intelectualidade de esquerda, escrevendo para os três principais periódicos da imprensa esquerdista e tendo lançado dois livros pela Editora Boitempo, para defender dois cantores alinhados à direita ideológica, ainda que bastante talentosos e carismáticos.

Francamente, com essas e outras, estamos esperando o dia em que Pedro Alexandre Sanches, tendo conseguido o que queria, voltará como filho pródigo para a Folha e baterá ponto no Instituto Millenium.

Fonte: http://mingaudeaco.blogspot.com/2011/06/pedro-sanches-e-popularidade-do-regime.html