Boa resenha de autoria de Rodrigo Zafra sobre o meu livro "Simonal: quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga" publicado no site Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/resenhas/204226
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Simonal: o cantor que o Brasil condenou
Rodrigo Zafra 25/01/2013
No
Brasil dos anos 80, da passagem do regime ditatorial para o
presidencialismo, a anistia, ampla e irrestrita, para os militares e
civis, englobou a quase todos, com exceção de um homem. Para este, de
nada adiantaria uma lei a suavizar os efeitos de quase 20 anos de
excessos – de ambos os lados – se seu julgamento e condenação vieram por
meio da sociedade, que o fez de bode expiatório. Estamos falando do
cantor Wilson Simonal de Castro, ou simplesmente Simonal, que tem sua
vida e o ambiente que o cercou esmiuçados na substanciosa biografia
“Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”, de Gustavo
Alonso.
Nosso povo, tão carente e tão devoto de ídolos, também é capaz de ser
cruel e execrar aqueles a quem considera personas non gratas, buscando,
em último recurso, expeli-los da memória nacional. Durante quase três
décadas foi assim com Simonal, até a sua morte, em 2000. Impossível que,
mesmo as gerações mais novas, não conheçam a história que ficou cravada
junto ao seu nome: a de que ele era informante da Ditadura Militar e
ajudou a delatar artistas. Mas, aos poucos, a história vai sendo
revolvida, e muito da certeza de “culpa” atrelada ao cantor vai caindo
por terra. Um trabalho lento, que não atinge grande parte da população,
porém eleva a nossa história a novos patamares.
Foi assim com o vibrante documentário “Simonal – ninguém sabe o duro que
dei” (2009), de Micael Langer, Calvito Leal e Cláudio Manoel, onde
vemos as performances de Simonal com suas músicas, ouvimos depoimentos
de personalidades que conviveram com ele, e somos apresentados ao
depoimento exclusivo do ex-contador do cantor – o pivô de uma situação
que leva à história atrelada por tanto tempo ao nome Simonal. Neste
“Quem não tem swing...” (Editora Record, 2011), somos levados a uma
viagem no tempo através de uma excelente pesquisa e compilação de como
era o Brasil e, principalmente, a área cultural nas décadas de 60 e 70.
Um trabalho de fôlego, repleto de referências, que procura, por meio de
paralelos, mostrar que, no período, situações enfrentadas pelo cantor
ocorreram com outros artistas, mas cada um teve tratamento diferente,
seja pela mídia, pelos colegas de profissão ou pelo público.
Ao contrário do que se possa pensar – e que é refutado veementemente
pela pesquisa –, Simonal não sofreu preconceito racial. Mesmo que em
entrevistas concedidas alguns anos antes de sua morte ele tenha abordado
a questão, mais para tentar despertar compaixão, e tenha levantado a
bandeira com a música Tributo a Martin Luther King, em parceria com
Ronaldo Bôscoli ([…] Cada negro que for/ Mais um negro virá/ Para lutar/
Com sangue ou não/ Com uma canção/ Também se luta irmão [...]), essa
tese não pode ser usada para se entender sua brusca e acentuada queda.
Ao longo do texto, somos levados a, se não concluir cabalmente os
motivos que fizeram de Simonal indesejável para a esquerda e a direita
nacional, no mínimo compreender o período por meio de uma gama enorme de
informações e detalhes contextualizados pelo autor minuciosamente. Para
isso, Gustavo Alonso cria relações interessantes ao analisar o papel do
cantor em foco com o de outros famosos que não necessariamente eram
ligados às esquerdas ou de apoio ao regime, como no caso de Chico
Buarque e Pelé. No caso do primeiro, o processo de construção de sua
persona midiática, de apoio a luta contra o regime ditatorial, se deu à
revelia do próprio Buarque, favorecido tanto pela imprensa quanto pelos
colegas cantores engajados, mas este soube aproveitar o momento e usá-lo
bem em seu proveito, tendo ficado marcado na memória dos brasileiros
como o principal cantor da resistência. No caso do segundo, mesmo nunca
tendo levantado a bandeira contra o racismo ou pouco se posicionado
quanto a outra questão social, e sendo por diversas vezes atacado pela
turma do jornal Pasquim por sua falta de engajamento, Pelé sempre foi
visto como um ídolo, independentemente de seu quase nulo posicionamento
em relação às mazelas sociais. Fatos como estes abordados – falta de
engajamento com a esquerda e de questões sociais – foram relevados no
caso de outros famosos, mas amplamente utilizados contra Simonal.
Resumindo a questão, Simonal, um dos cantores de maior apelo popular no
final dos anos 60 e início dos 70, dono do maior contrato de publicidade
já assinado por um artista nacional, foi acusado por seu ex-contador de
tortura, e de ter utilizado policiais do DOPS para isso. Simonal
acusava, anteriormente, o então contador de estar lhe dando desfalques
que estavam minando suas finanças. A partir daí, o caso virou de
polícia, repercutindo imediatamente para a imprensa. Esta, por sua vez,
remexeu o assunto maciçamente, principalmente após o cantor virar réu de
um processo em que era acusado de ser mandante da tortura contra o
ex-contador. Para piorar, uma declaração de Simonal em delegacia, na
qual dizia ser há muito informante do DOPS, foi veiculada pelos jornais,
repercutindo negativamente no público. Isso foi em 1970, e desde então a
carreira de Simonal entrou em ostracismo.
Além dessas questões, a carreira artística e os fatos bons na vida de
Wilson Simonal, também são analisados em detalhes, para deleite de quem
já é fã do cantor, ou para surpresa de quem teve pouco ou nenhum contato
com a obra do líder da chamada “Pilantragem”, termo cunhado por Carlos
Imperial – principal mentor do movimento e descobridor do talento de
Simonal. Sobre a “Pilantragem”, vale ressaltar a importância histórica e
maior apelo popular à época que outro movimento contemporâneo
encabeçado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, a “Tropicália”. Por causa
da bem sucedida tentativa de apagar Simonal da memória popular, a
“Pilantragem” também foi esquecida, não sendo lembrada – ou pouco dito a
respeito – nos livros sobre música popular brasileira.
Dono de uma voz poderosa, Simonal passeava por múltiplos estilos
musicais. Sabia escolher repertório de apelo popular e ao mesmo tempo de
qualidade, o que só fazia a venda de seus discos continuamente
aumentar. Além disso, era capaz de interpretações marcantes e ímpares, a
ponto de interferir nas letras e formas de cantar suas canções (“País
Tropical, de Jorge Ben, é o exemplo mais notório). Simonal foi, com seu
estilo esbanjador e sem se importar com as consequências, seu principal
amigo e inimigo. Esquecido pela história até pouco mais de uma década
atrás, hoje seu legado, muito por interferência direta dos filhos –
Simoninha e Max de Castro –, vem sendo resgatado. Fato é que no
encerramento das Olimpíadas de Londres, Simonal veio à tona: Seu Jorge
interpretou, para o Brasil e para o mundo, “Nem vem que não tem”.
Com mais de 450 páginas, o livro do historiador Gustavo Alonso é fruto
de um trabalho de conclusão de curso de seu Mestrado em História pela
Universidade Federal Fluminense em 2007. Conta com extensa pesquisa
bibliográfica, em jornais, revistas e vídeos, e entrevistas de campo.
Louvável o trabalho da editora ao manter o estilo acadêmico de
formatação do texto, sem querer partir para um apelo mais “comercial”, o
que certamente acarretaria prejuízo ao texto e não teria sentido sem as
múltiplas referências que dão a base. O livro é dividido em capítulos.
Os pares funcionam como uma minibiografia de Simonal, desde seu
nascimento até o início da vida musical. Os ímpares reconstituem o
período de ascensão e queda do cantor, bem como o ambiente e os
personagens contemporâneos. Ao final, reúne anexos como a entrevista de
Simonal ao Pasquim, documentos do DOPS e a sentença final do processo
no qual foi réu. Há ainda a discografia completa.
“Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga” é livro
fundamental não só para quem quer rever ou conhecer a obra do cantor; é
um inventário histórico de um período que precisa ser resgatado em
detalhes, para que não se fique apenas com a verdade oficial dos livros
de história e suas generalizações – perdedores e vencedores, como
comumente acontece. Nisso, este livro passa longe. E mais perto da
verdade do que muita gente gostaria.