segunda-feira, 16 de setembro de 2013
Você já leu "Simonal: quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga"???
Se até o Amaury Jr. leu o livro "Simonal: quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga", por que você ainda não leu? AHAHAHHAHAHAHHA! É sério: https://twiends.com/ oficialamauryjr
Incendiando a memória da MPB
O processo foi visto de perto pelo historiador Gustavo Alonso, que enxergou um pouco dos dois cenários para Simonal – um dos cantores brasileiros de maior sucesso na segunda metade da década de 1960, mas que caiu no ostracismo e carregou a fama de dedo-duro da ditadura nos anos seguintes. A escolha pelo caso do músico carioca como tema para a sua tese de mestrado em História pela Universidade Federal Fluminense surgiu justamente da ausência de referências a Simonal na bibliografia.
Opinião
Com a mão no vespeiro
Para quem aprendeu a ver, desde os primeiros passos da formação, a MPB como um dos principais instrumentos de resistência de toda a sociedade contra a ditadura militar, o livro de Alonso impressiona pela coragem. É como mexer em um vespeiro, e não é difícil imaginar a reação, por exemplo, de fãs incondicionais de Chico Buarque diante da desconstrução que o historiador faz da formação de sua imagem de “resistente ideal”. Pois Chico também foi associado à alienação e teve a sua “Carolina” entre as preferidas do presidente Costa e Silva. Este, aliás, é um dos métodos de Alonso no livro: comparar “erros” semelhantes aos de Simonal cometidos por outros artistas que, no entanto, não ficaram estigmatizados. Mas isso tudo foi “esquecido”, assim como assombrosos episódios em que Alonso apresenta os sinais de que a sociedade apoiava ao regime. Trata-se de um trabalho urgente, que merece ser lido em larga escala – até pela simplicidade com que Alonso desenvolve a sua tese, tornando-a acessível para não historiadores. Urgente, com certeza, e dolorosa para muitos. GGGG
Serviço:
Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga, de Gustavo Alonso. Record, 471págs. R$ 49,90. Biografia.
Rafael Costa, repórter
“Eu perguntava sobre Simonal, e as pessoas não respondiam”, disse Alonso, em entrevista por telefone à Gazeta do Povo. “Nos livros que lia, as referências eram sempre muito pontuais. O fato de ele ter sido expulso do panteão da MPB me atraiu. Não conhecia a obra dele, mas me deparei com aquilo e vi que tinha algo ali”, explica Alonso, que se lançou em uma pesquisa de seis anos que culminou em sua tese e no livro Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga: Wilson Simonal e os Limites de Uma Memória Tropical, publicado pela editora Record.
Mas o ostracismo de Simonal, durante o período em que Alonso fez a pesquisa, foi mudando rapidamente. O próprio autor se deparou com uma postura diferente das pessoas quando passou a tratar do cantor, por exemplo, após o lançamento do filme Simonal – Ninguém Sabe o Duro Que Dei (2009).
“Antes, eu ia falar do Simonal e citava Elis Regina, Chico Buarque, Caetano Veloso. E acontecia algo que me incomodava: ninguém conseguia debater Simonal”, diz Alonso. “Depois, acontecia o oposto. Eu ia falar do Simonal e as pessoas não queriam sair do assunto”, diz.
Algoz e vítima
Ao contrário da simplicidade da reabilitação, é justamente a visão crítica da institucionalização da MPB e da construção da memória da sociedade que norteiam o olhar de Alonso sobre o caso Simonal. “A reabilitação dele foi de diabo a santo muito rapidamente, sem se compreender os meandros, as ambiguidades, ignorando os outros casos. Se colocarmos o Simonal no papel de ‘não fez nada’, continuamos sem problematizar a MPB”, diz Alonso.
No livro, o historiador faz uma instigante análise social em que os músicos são os principais protagonistas de uma confusa dicotomia entre as posturas de protesto e adesão à ditadura nos anos 1960 e 1970. E traz polêmicas: vários artistas flertaram com a ditadura. Simonal foi um bode expiatório, e ajudou a MPB e a sociedade a “purgar” e a se eximir de suas relações com o governo militar.
Para Alonso, o episódio que passou a associar o cantor com a ditadura não foi a causa central do “exílio” que ele viveu dentro do país.
Simonal foi condenado pelo envolvimento na tortura de um ex-contador, feita por policiais do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em 1971, e se defendeu como um colaborador do regime. Acabou sendo considerado, mais que um adesista, traidor. O caso também inclui racismo, como se costuma reconhecer. Mas, de acordo com Alonso, foi sobretudo uma questão de estética e política.
MPB
“É uma tragédia em vários sentidos. Mas costumo enfatizar que, muito mais que racismo ou o caso do contador, parece que o fundamental para o ostracismo do Simonal foi a concorrência com o tropicalismo e a tentativa de diálogo com o país massivo – que estava na base da ditadura”, diz Alonso.
O cantor representava bem a sociedade em sua relação com a ditadura. Havia nuances e contradições que colocavam os brasileiros em uma “zona cinzenta” entre a resistência e a colaboração. “Para mim é incômodo também, porque estou dizendo, entre outras coisas, que familiares meus apoiaram”, diz o historiador. “Mas não se trata de punir fulano ou cicrano, e sim de entender o que aconteceu, e por que se esqueceram disso.”
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“A história da MPB sempre foi privilegiada por pesquisadores, escritores, acadêmicos e jornalistas [...]. É comum que artistas não identificados a este gênero estético-político sejam associados a baixa qualidade estética e a alienação política. [...] Constrói-se, assim, uma história musical dicotômica, simplista, que enxerga resistentes e alienados. [...] Enfim, certos artistas são silenciados pela memória hegemônica em nome de um conceito estético e político, apagando-se a vivência afetiva de milhões de brasileiros.”
Trecho de livro Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga, de Gustavo Alonso.
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Texto originalmente postado no Jornal Gazeta do Povo, de Londrina: http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?id=1199698&tit=Incendiando-a-memoria-da-MPB
domingo, 28 de julho de 2013
Entrevista Exclusiva com Gustavo Alonso, biógrafo do cantor Simonal
Amigos, o site "Literatortura" fez uma entrevista comigo sobre o livro "Simonal - Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga". Segue abaixo:
- Entrevista com Gustavo Alonso, escritor da biografia Simonal – Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga
Uma das figuras mais marcantes e controversas da história da MPB. Um cantor que mobilizava multidões, que dominava plateias como ninguém, dono de uma voz e um swing incomparável. Um homem forte, malandro, divertido, malicioso, pouco adepto da diplomacia, que saiu do nada para ganhar os rádios, a televisão e coração do brasileiro, mas que por motivos que só o acaso pode empreender teve um sinistro fim. Por conta de um incidente com seu contador foi confundido com um dedo duro da ditadura e se tornou persona non grata da cultura brasileira. Visto com um traidor, um pária, foi deixado de lado e ignorado por seus amigos, colegas e companheiros de profissão. Agora, após sua morte, foi resgatado pela memória, ganhou filme, especiais, regravações e biografias. Este é Wilson Simonal.
Entre essas biografias está a excelente Simonal – Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga de Gustavo Alonso, historiador formado pela Universidade Federal Fluminense. Trata-se de um livro de imenso fôlego e densidade rara nas biografias literárias que faz uma monumental análise de diversos elementos que compõe nossa cultura desde o fim da década de 50 até os dias de hoje, incluindo discussões que incluem a MPB, Elis Regina, Chico Buarque, a Tropicália e, evidente, a trajetória de Wilson Simonal.
Gustavo Alonso gentilmente concedeu uma entrevista para oLiteratortura que vocês podem ler agora na íntegra.
Luiz Antonio Ribeiro – Gustavo, vou começar fazendo uma pergunta dupla. Primeiro, porque a escolha de fazer um mestrado em história pesquisando justamente a figura do Simonal? E como foi, depois de toda pesquisa, chegar a esse curioso título – “Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”- que me parece conter várias tensões e referências de Simonal, da nossa cultura e até da história da MPB?
Gustavo Alonso – A chegada ao mestrado com o tema do Simonal tem a ver com escolhas pessoais profundas. Na graduação em História da UFF eu pesquisava um tema (Revolução Mexicana,1910-1917) que muito me interessava, mas que não encontrava diálogo na sociedade em geral, que muito pouco se interessa por temas latino-americanos, inclusive, na época, a própria academia. Mesmo em meus amigos parecia não despertar o menor interesse. De forma que senti necessidade radical de dialogar com um público amplo, que se sentisse interessado pelo meu tema, e me estimulasse a dizer algo novo através do diálogo não apenas com a academia, mas também com a sociedade em geral. Sempre fui próximo da música popular, tocava violão, mas na graduação de História me afastei um pouco do estudo musical. Quando foi se aproximando o terceiro ano da graduação senti necessidade urgente de voltar a estudar música, não apenas violão, mas também a discussão musical. Me interessava muito pelo tropicalismo e pensava em desenvolver algo nesta linha pesquisa. Foi quando caiu-me nas mãos o livro de Paulo Cesar de Araújo, o hoje clássico “Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar”. Sabia de seu lançamento desde 2002, mas só vim a lê-lo em 2004. Considero-o desde então o mais importante livro sobre música popular brasileira já escrito. O livro de Paulo Cesar tem no campo da música popular a importância que “Casa-grande e Senzala” de Gilberto Freyre teve em sua época. Marcou-me profundamente, não apenas tematicamente, mas, sobretudo pelo seu estilo leve, sua provocatividade, e sua ambição revolucionária. Queria fazer algo semelhante, que não se fechasse nos muros da academia, e que fosse lido com prazer pelo leitor comum. Embora aborde mais aprofundadamente o caso de Simonal, o livro de Paulo Cesar não o tinha como tema e a discussão em torno de sua persona não era aprofundada. Percebi que isso se repetia na bibliografia. Os livros de jornalistas Nelson Motta, Ruy Castro, Sergio Cabral, José Ramos Tinhorão, ou acadêmicos como os de Marcos Napolitano, Santuza Cambraia, Marcelo Ridenti, Renato Ortiz, Pedro Alexandre Sanches, falavam as mesmas obviedades sobre Simonal (ótimo cantor, mas dedo-duro), quando sequer falavam. A partir do livro de Paulo Cesar pensei que valeria mais a pena elaborar um livro sobre algo que ninguém tinha pesquisado, algo polêmico. O tropicalismo já tinha sido tanto trabalhado em teses acadêmicas e artigos da grande imprensa que dificilmente eu conseguiria dizer algo novo. Sem abandonar de todo a discussão do tropicalismo (em meu livro há um capítulo sobre o Tropicalismo e a Pilantragem do Simonal, suas semelhanças e diferenças), visualizei o problema do cantor negro e seu drama pessoal. Eu julgava ter descoberto alguém que ninguém tinha dado a devida importância. É importante falar que essa “descoberta” aconteceu em 2003, quando não se falava sobre o cantor na imprensa, quando ele ainda era um pária, um dedo-duro, e quando suas músicas ainda não eram regravadas, como hoje depois de sua reabilitação. Sofri intimações de amigos e conhecidos, alguns indignados com o fato de eu pesquisar a carreira de um “dedo-duro”. Outros queriam que eu provasse que ele era inocente. Ou seja, era um tema polêmico. Para além da questão estética de Simonal e da Pilantragem, além de seu enorme sucesso popular, me interessei inicialmente, sobretudo pela questão política. Havia tido algumas aulas sobre ditadura-militar com a professora Denise Rollemberg, que viria a ser minha orientadora de mestrado, que havia me introduzido a então recente renovação do conceito de resistência proposto por ela e pelo professor Daniel Aarão Reis Filho, ambos da História da UFF. Achei que a discussão da trajetória do Simonal ajudaria a aprofundar este debate, o que penso que de fato consegui.
Quanto ao título do livro, a intenção foi provocar o leitor desde o inicio. Nunca gostei dos títulos das teses acadêmicas, sempre muito longos, descritivos, “objetivos” demais, sem graça! Comecei então a pensar um título que fosse provocativo, que remetesse às questões estéticas e políticas e que ao mesmo tempo tivesse sido dito pelo próprio Simonal. Então consegui enxergar o “Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”, subtítulo do LP “Alegria, Alegria vol. 2″, de 1968. Era perfeito. Remetia questão estética nova (o “swing” da Pilantragem) e havia o deboche com a MPB que se politizava. E o título ainda pode ser lido através da lente política. Quando concluí que aquele deveria ser o título do livro, ainda no primeiro ano de pesquisa, tudo se encaminhou mais naturalmente, pois tinha entendido que estes debates seriam o eixo central da obra. Outro curioso subtítulo de um disco seu é “Cada um tem o disco que merece”, também de 1968, no qual Simonal buscava embates contra os politizados da recém-criada MPB, que a seu ver afastavam a música das massas. Também dá pano pra manga…
Luiz – No livro, você aponta Simonal como um “bode expiatório”, que seria uma figura comum em todas as sociedades cuja função é purgar a culpa coletiva com penas, geralmente, desproporcionais aos crimes que cometeram. Como você vê o que ocorreu com Simonal nesse contexto e de que forma trazer ele de volta pros anais da MPB não é, de certa forma, purgar outra culpa?
Gustavo - Penso que Simonal, como toda a sociedade brasileira teve relações no mínimo ambíguas em relação ao regime. Não consegui provas de que ele tenha de fato dedurado alguém. E duvido que o regime precisasse de Simonal para saber se compositor X ou Y tivesse tendências “esquerdistas”. O que aconteceu de fato foi que Simonal cantou algumas músicas que ficaram muito associadas, na época, ao ufanismo da ditadura, como “País Tropical” e “Resposta”( ambas de Jorge Ben), “Cada um cumpra com o seu dever” (rara composição de do cantor), além de homenagens a seleção brasileira de futebol tricampeã, como “Obrigado Pelé” composta pelo compositor do regime Miguel Gustavo. Simonal foi com a seleção para o México, servindo de garoto propaganda da nação em festa. Chegou a receber a chave da cidade de Guadalajara. Na volta pro Brasil, já pairava um certo mal estar entre as esquerdas frente a sua postura. Aliás, desde o advento da Pilantragem a MPB o olhava meio torto. Quando foi acusado de um crime civil (mandar torturar seu contador que supostamente o desfalcava), Simonalpolitizou a questão acusando o contador de fazer ligações “subversivas” a sua pessoa, ameaçadoras. O contador Raphael Viviani foi torturado por policiais do DOPS amigos de Simonal, que, para tentar conseguir a sensibilidade da promotoria quando o julgamento foi realizado, argumentou que sempre fora fiel aos princípios da “revolução” e que sempre ajudara “os homens”. Ou seja, foi o próprio Simonalque deu brecha para a acusação de dedo-duro, embora talvez isso tenha acontecido por necessidades conjunturais do julgamento do que propriamente por convicção objetiva. O mal estar que já havia em relação à Pilantragem entre a MPB foi então catalisada pela acusação de dedo-duro, radicalizando o repúdio ao cantor.
Meu livro, para além de uma biografia tradicional, busca falar de como toda a música brasileira, e, sobretudo a MPB, teve uma relação ambígua com o regime. Simonal não estava sozinho em suas relações com o regime. Embora tenha havido resistência da MPB à ditadura, também houve, e muito, cooptação, convivência, aceitação e apologia, ao contrário do que contam grande parte dos livros sobre o período. Artistas como Elis Regina, Caetano Veloso, Marcos Valle, Jorge Ben, Ívan Lins, Luiz Gonzaga e até Chico Buarque, dentre vários outros, tiveram relações ambíguas com o regime, tendo sido acusados pelas esquerdas de serem coniventes com a opressão, dependendo dos ânimos pontuais de cada período do regime. Os exemplos estão em “Simonal: quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”, basta ler. Esse é o principal ganho do livro, ou seja, demonstrar que as posturas ambíguas, e muitas vezes apologéticas e ufanistas de Simonal, não eram de todo “aberrações” de uma época, mas a própria norma. A questão é que jornalistas, historiadores, sociólogos, a mídia e os próprios artistas, após a queda da ditadura passaram a contar esse período de forma simplista, como se não houvesse meio-termos, como se não houvesse ambiguidades, como se todos fossem dignos resistentes desde o berço e que o regime em nenhum momento tivesse procurado dialogar com o meio musical. Nesse sentido, ao transformar Simonal numa “aberração”, a sociedade purgava seu pecado de ter tido relações no mínimo ambíguas em relação à ditadura. Mas é importante frisar que este processo só ganhou força acentuada e convenceu as multidões a partir de 1978, quando a Abertura política tornou possível a ascensão desta memória simplista da resistência.
Trazer Simonal para os braços da MPB parece, a meu ver, problemático, sobretudo se não considerarmos tudo o que disse acima. Será preciso inocentar Simonal para provar seu valor? Ou seja, nós erramos com ele; ele estava do “nosso” lado, mas nós continuamos do lado “certo”. Ou seja, sempre estivemos entre os resistentes, nunca fomos ambíguos, em nenhum momento fomos responsáveis por um regime que se manteve quase intocável por 21 anos. De forma que meu livro visa tocar estas questões complexas. Trata-se de perceber, sobretudo como a sociedade brasileira sente-se ainda hoje pouco confortável em tentar compreender suas relações com ditadura dos anos 70. Esse incômodo beira, em vários momentos, o largo apoio concedido por diversos setores da sociedade brasileira ao regime. Não se trata, obviamente, de louvar um regime ditatorial. Trata-se de compreender como foi possível que o regime tenha durado tanto e como a sociedade lidou com ele. Compreender não é justificar, é bem diferente. Simonal abre a possibilidade de entendermos como a sociedade lidou majoritariamente com o governo ditatorial. Negar seus “pecados” é continuar tapando o sol com a peneira, ignorando que grande parte da sociedade também teve suas relações com os ditadores.
E o mais problemático, a meu ver, é deslocar o real motivo do ostracismo de Simonal. Para aqueles que compraram a atual reabilitação de Simonal, as causas de seu ostracismo foram o “racismo” da sociedade brasileira e a patrulha ideológica das esquerdas sobre ele. No livro eu nego que o racismo social brasileiro (que existe) tenha sido fundamental no caso do cantor. Não desprezo a patrulha ideológica das esquerdas, que cumpriram seu papel. Mas as esquerdas também patrulharam Delfim Netto, Paulo Maluf e José Sarney, apoiadores em tempo integral da ditadura, e eles continuam aí até hoje. Penso que o ostracismo de Simonal se deu pela sua afronta à MPB da época. Os puristas da MPB chocavam-se com Simonal, sobretudo por sua ruptura com a Bossa Nova e sua adoção da cultura de massa, da música americana, da música dançante, enfim, daquilo tudo que foi a Pilantragem nos anos 60, um movimento cultural ignorado pelos nossos escritores, cineastas, jornalistas e acadêmicos. E que me parece ainda não foi devidamente compreendido. A intensa relação com a cultura de massa e o tom verborrágico e acintoso do cantor, que se chocavam com a politização da MPB da época (que não aceitava sequer guitarras elétricas na canção nacional) me parecem mais responsáveis pelo ostracismo de 30 anos do cantor do que os atuais motivos perfilados pelos vitimizadores de Simonal, que preferem vê-lo como ingênuo cultural, política e socialmente. Esse é um grande equívoco. Que compromete o entendimento de toda uma época.
Luiz – Você caracteriza a MPB como um gênero que aparece para contestar a ditatura, ou seja, criado dentro de um debate político baseado no que você chama de “mito de resistência”. Fale um pouco mais sobre isso e que consequências isso teve na nossa identidade cultural e musical.
Gustavo - O termo MPB foi criado em 1965 por artistas, público, críticos e sociedade em geral que aceitavam a Bossa Nova como um marco estético e musical brasileiro. Ao mesmo tempo, diante da ditadura recém-inaugurada em 1964, estes grupos achavam que era preciso tirar a Bossa Nova do “salão” e levá-la ao povo, assim como também se aproximar da música do povo propriamente dita. Este processo de união destes valores foi catalisado pelo advento da Jovem Guarda de Roberto Carlos e companhia, que foi criada meses antes no mesmo ano. Apesar de herdeira de uma longa tradição, a MPB só teve seu advento consagrado por que escolheu um inimigo concreto, a Jovem Guarda. Na época caracterizava-se o estilo de Roberto Carlos e companhia com duros termos baseados nas ideias do alemão Theodor Adorno, que via a cultura de massa como “imperialista”, “comercial” e “banal”. Elis Regina, Edu Lobo, Jair Rodrigues e Gilberto Gil chegaram a fazer uma passeata contra a guitarra elétrica pelas ruas de São Paulo em 1967, tamanha era a oposição à estética “imperialista” na música nacional. A MPB surgiu querendo combater esteticamente o “imperialismo cultural” do rock. Politicamente visava se embater com a ditadura, vista então como um braço dos EUA no Brasil. Surge então o principal nome desta linha na questão estética: Chico Buarque, um compositor afinado ao folclorismo musical. Era visto como um novo Noel Rosa nos anos 60. No campo “político” o principal nome foi Geraldo Vandré. Gradualmente criou-se a identidade da resistência tanto cultural quanto política. Embora a tortuosa vitória do tropicalismo de Caetano Veloso tenha aberto a MPB para novas possibilidades estéticas, poéticas e políticas, em grande parte esta postura folclorista e resistente continuou como matriz importante do pensamento e da crítica musical. O grande problema destas análises que insistem em ver a música popular como resistência cultural e política é que elas frequentemente simplificam o debate, pois trabalham na lógica do “bem X mal” e se esmeram em buscar artistas e gêneros “louváveis”, se esquecendo da popularidade e do significado de outros artistas e estilos musicais. Os cafonas dos anos 70 analisados por Paulo Cesar de Araújo em seu clássico livro acima mencionado padeceram disto até o advento de sua obra. Simonal foi outro caso extremo. Nenhuma obra conseguia dimensionar seu real peso cultural nos anos 60 por que ele era visto como ufanista do regime. E a Pilantragem era tida por todos como “pobre” esteticamente por ser um produtor massivo. O mito da resistência e o folclorismo de nossas elites culturais dificultam o entendimento de grande parte do Brasil “profundo”, que só aparentemente está no fundo. Em verdade paira na altura de nossos olhos sem ser visto, sequer notado.
Luiz – Como historiador, você faz alguma associação de Simonal com figuras da nossa tradição como Macunaíma, o malandro carioca, o homem cordial do Sérgio Buarque ou as figuras miscigenadas de Gilberto Freyre?
Gustavo – Simonal presta-se ao entendimento da sociedade brasileira. Seu caso é simbólico de nós mesmos. A Pilantragem era a malandragem dos anos 70, muito embora nunca tenha sido aceita como tal por nossos acadêmicos, críticos e jornalistas. Para aceitar tal provocação é preciso, no entanto, parar de idealizar a malandragem como resistência ao Estado Novo e/ou à burguesia, como fazem diversos livros sobre o tema, e aceitá-la como postura ambígua. Simonal era bem isso. Era como o homem cordial analisado por Sérgio Buarque, um homem movido por emoções, pelas relações de parentesco e amizade, afetuoso com os próximos e extremamente acintoso contra os “inimigos”. Ao mesmo tempo era um sujeito que queria ser amigo de todos, que era afável, engraçado, boa-praça. Não à toa Henfil o caracterizou como um “preto-que-ri”. Claro, Henfil fazia assim uma crítica ao que julgava “alienação” do cantor. Mas de qualquer forma fica claro que era isso que era veiculado pela mídia com participação do cantor na construção desta imagem. E não se pode esquecer que, justamente por essa postura cordial, onde os “amigos” contam mais que as classes, raças ou instituições, Simonal via-se como um democrata racial, tal como a vulgata da teoria de Gilberto Freyre se apresentava na sociedade brasileira. Durante o inicio de seu ostracismo e até o final dos anos 70 Simonal nunca atribuiu seu esquecimento ao “racismo”, pois acreditava, como Pelé, Fio Maravilha e Grande Otelo (negros famosos à época) que a raça não definiria as posturas sociais de forma definitiva. Estes famosos negros, embora não negassem a existência do racismo, achavam que a melhor forma de combatê-lo era fugir da vitimização e louvar a originalidade nacional que foi criar um panteão nacional multirracial, algo que os EUA, por exemplo, nunca conseguiram.
Luiz – Para finalizar, como foi a repercussão do livro e como ele tem servido para repensar o homem e o músico Simonal, assim como nossa cultura nacional? E se você fosse ressaltar uma coisa que você gostaria que ficasse sobre a obra para a posteridade, o que seria?
Gustavo - Rapaz, a repercussão foi muito boa na crítica especializada. Recebi comentários elogiosos de gente de peso como Caetano Veloso (comentado duas vezes em sua coluna dominical de O Globo). Vários jornalistas escreveram sobre a obra como Pedro Alexandre Sanches, Mauro Ferreira, Luis Nassif, Xexéo (o livro ganhou 3 colunas) e da Revista Rolling Stone. O Paulo Cesar de Araújo, que além de autor do livro fundamental sobre música cafona também escreveu o censurado “Roberto Carlos em detalhes“, aceitou fazer a orelha do livro. Para estes elogios basta olhar o site do livro (aqui!) . Quanto ao público em geral, principal objetivo do livro, é justo apontar que houve falha da editora quanto à publicação. Era para termos atingido um público maior, a meu ver. O livro se encontrava pronto desde 2007. Era possível publica-lo em 2008, antes, portanto do filme que reabilitou Simonal (“Ninguém sabe o duro que dei”, lançado em 2009) e da biografia publicada em 2010 (“Não vem que não tem: a vida e o veneno de Wilson Simonal”, de Ricardo Alexandre). Mas por algum motivo a editora optou por lançá-lo somente em agosto de 2011, razão que ignoro até hoje. Tentei ainda pressionar para que fosse lançado ao menos junto com o filme e mais tarde com a biografia, de forma a surfar na publicidade alheia. Sem sucesso. De forma que a chegada ao grande público, embora com relativo sucesso (recebo emails de leitores bastante entusiasmados), tenha ficado comprometida por esta postura da editora espantosamente e inexplicavelmente pouco comercial ou racional.
Penso que o livro abre uma nova forma de se compreender os dilemas sobre a ditadura no campo musical. Para além das dicotomias simplistas, a obra mostra a vida que havia em nossa sociedade, fugindo dos estereótipos discursivos de nossa sociedade. É preciso inovar nos estudos de música popular! É preciso temas novos, seja na academia, seja fora dela. É preciso ambição de querer dizer o novo. É possível dialogar com a sociedade em geral: teses não devem ser produtos herméticos, sobretudo as de História Contemporânea. O livro tem este legado que, espero, seja levado adiante.
Nesse sentido publicarei outro livro em breve. Trata-se de um livro sobre a história da música sertaneja, dos anos 50, quando foi inventada sua originalidade, até os dias de hoje, do sertanejo universitário do“Ai, se eu te pego” e congêneres. Nos anos 70 alguns pensadores se entusiasmaram pelo tema, e chagaram a escrever sobre a música sertaneja. Mas desde então ninguém mais escreveu uma tese sobre o assunto. Por quê? Será que é possível de fato compreender o Brasil sem entendermos o que é este fenômeno que passa longe de ser uma “moda” e já dura mais de 50 anos? Meu livro, intitulado“Cowboys do asfalto: música sertaneja e modernização brasileira”, que será publicado pela Editora Civilização Brasileira ano que vem buscará dar conta deste fenômeno complexo da sociedade brasileira. Espero tê-los como leitores novamente.
Link com a entrevista original: http://literatortura.com/2013/07/entrevista-exclusiva-com-gustavo-alonso-biografo-do-cantor-simonal/
quinta-feira, 25 de abril de 2013
Resenha: “Simonal – Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”, de Gustavo Alonso
Resenha: “Simonal – Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”, de Gustavo Alonso
Posted by Luiz Ribeiro
Editora: Record
Páginas: 476
Lançamento: 2011
Nota: 4,5/5
Páginas: 476
Lançamento: 2011
Nota: 4,5/5
A exclusão social talvez seja a maior forma de apagamento de uma figura, tanto da sensibilidade quanto da história de uma época. É possível que, por conta disso, muitas pessoas passem a vida não tentando produzir obras ou feitos, fazendo com que aquilo que mais tem de precioso, o valor que durante a vida agregou ao seu “eu”, seja visto e valorizado pelos demais. Também talvez seja por esse fato que algumas civilizações têm como forma de castigo a um “pária” a total exclusão desse sujeito com quem ninguém pode falar, ajudar e nem mesmo matar: sua inexistência é sua própria pena, e é eterna. Sobre esse assunto existe apenas uma certeza que não se pode perder de vista: a gente nunca sabe quem tem razão. É com essa breve reflexão, que não faz jus à obra, que começo minha análise de Simonal – Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga, de Gustavo Alonso.
Nas 472 páginas de uma leitura de imenso fôlego, com uma densidade poucas vezes vista nas biografias literárias e de períodos de nossa história, Alonso faz uma monumental análise de diversos elementos que compõe nossa cultura desde o fim da década de 50 até os dias de hoje, tendo como norte a vida de Wilson Simonal, o principal cantor “maldito” da geração de artistas da então recém-nascida MPB. Pretendo analisar aqui alguns dos elementos estudados por Alonso e perceber como, com brilhantismo, ele conseguiu mapear toda uma geração em conflito sem cair nos elogismos ou criticismos comuns aos historiadores do tema.
Alonso começa o livro contando o fato célebre de Simonal, no Maracanãzinho, quando conduziu 30 mil pessoas em um enorme coro cantando em diferentes vozes “Meu limão, meu limoeiro”, ressaltando que esse foi um marco tanto da vida de Simonal quanto na música e cultura brasileira. Isso foi em 69 e mal sabia Simonal que seus dias de sucesso estavam contados. Para se entender é preciso repensar alguns de nossos conceitos sobre a cultura nacional:
O autor percebe que o título MPB é fundado por uma noção estético-política dos músicos que se reuniram numa lógica que era pautada basicamente por um discurso de “resistência” à ditadura. Esse movimento de “resistência”, encabeçado por intelectuais, universitários e esquerdistas, quase todos concentrados na Zona Sul carioca, foram oficializados como discurso norteador do que seria o “bom gosto musical” da geração. Assim, a população e, por conseguinte, os artistas e músicos, eram divididos em dois discursos: resistentes ou coniventes. Esse perigoso e autoritário discurso oficial proferido pela esquerda brasileira, composto pelos músicos da MPB, tinha como função, primeiro assegurar seu espaço dentro da cultura e depois rechaçar todo o tipo de obra que eles achavam de teor “alienante”. No entanto, o cenário musical não parecia corroborar com eles: por um lado, havia os rapazes da Jovem Guarda de Roberto e Erasmo, de outro o movimento Tropicalista de Caetano, Gil, Tom Zé, Dubrat e Os Mutantes, e ainda em uma outra via havia os debochados, irônicos e descompromissados da Pilantragem, entre eles Wilson Simonal.
O que acontece é que tanto a Jovem Guarda quanto a Tropicália foram inseridos na lógica da resistência. Caetano e Gil, após o exílio, foram recebidos de braços abertos por aquela MPB de Chico Buarque, Edu Lobo, Elis Regina, e assim, trouxeram na mala Roberto eErasmo a quem defendiam desde sempre com veemência. A Bossa-Nova instituída se tornou a base referencial de todos esses músicos, agora formando a imensa tribo da MPB.
A Pilantragem, no entanto, ficou excluída. Pilantragem era um movimento cultural, que se assemelhava à Tropicália e pretendia mesclar o suingue musical brasileiro com arranjos, instrumentos e temáticas americanas. No entanto, seu discurso não era politizado ou rebuscado como dos baianos, mas voltado para a troça, pra ironia, com temas sobre mulheres, carros e a boa vida. E claro, muita alegria e vontade de se louvar as maravilhas do Brasil.Carlos Imperial, um dos cabeças pilantras, dizia que a Pilantragem “é a apoteose da irresponsabilidade consciente.” Diz Alonso: “O negócio era botar a banca, debochar ironizar os politizados, os intelectualóides. Devido a essa postura, Simonal e, especialmente, Carlos Imperial ficaram tachados de metidos.”
A verdade é que Simonal era, sim, metido. Fazia a pinta de negro poderoso, com colares, ternos, fala malandra e estilo prepotente. Preocupado apenas, como ele mesmo diz, em vender discos, não se preocupava com o discurso da esquerda que obrigava toda música produzida no momento a ser triste, de pesar e de luto por conta do golpe. Simonal não via problema em louvar o Brasil durante o tempo da ditadura e achava que isso era problema dos políticos.
Alonso mostra que isso era bastante comum na sociedade da época, mas sempre vista pela classe média por uma espécie de “culpa”, ou seja, os mesmos rapazes de esquerda, da música de protesto, tinham uma vida burguesa que ascendia, com carros do ano e tudo mais, e isso gerava uma necessidade redobrada de esforço político e estético para purgar esse sentimento coletivo. O autor ressalta que há um movimento duplo de “tradição e modernidade” na MPB. Cabia a eles resgatar os heróis do passado como Noel Rosa, Nelson Cavaquinho, Cartola, os nomes da “grande música brasileira, do samba de raiz” e por outro empreender pesquisas inovadoras e estéticas. Era dois passos atrás e dois pra frente, e a música se mantinha no mesmo lugar. Criou-se assim, dentro da música brasileira um “mito de resistência”.
A exclusão sumária de Simonal da história da música vem, por um lado, por essa posição dele de homem prepotente e mal visto, por outro pelo caso do DOPS em que pediu a uns amigos que, sob tortura, fizesse com que seu contador, que vinha lhe tirando dinheiro, assinasse uma comprovação de culpa. No entanto, seu papel de párea da música brasileira se faz por uma conjunção de fatores que perpassam toda nossa cultura: as questões raciais, as questões sociais, o preconceito entranhado na nossa lógica, a violência da ditadura, o autoritarismo dessa esquerda combatente, o discurso oficial cultural da Zona Sul carioca. E assim, passo a passo apareceu como o “bode-expiatório” da geração. Cito o autor:
“Em diversos momentos as sociedades escolhem bodes expiatórios de forma a melhor conviver com os próprios problemas. Muitas vezes o escolhido “tem culpa no cartório”, mas sua pena é sempre desproporcional à acusação. Assim, o “bode” explica a culpa da sociedade, que, ao delimitar um réu, aparentemente implode seus males coletivos.”
Wilson Simonal, o cantor de sucessos como Sá Marina, Nem Vem que Não Tem, Mamãe Passou Açúcar em Mim, foi o escolhido da geração de 60, 70 e gradualmente, após a breve prisão pelo caso com o DOPS, foi chamado de “dedo-duro” da ditadura. Sem que nunca fosse comprovado nada contra ele, o discurso se espalhou e, entregue ao álcool, não conseguiu mais a retomar a carreira nos níveis da década de 60, nem ser reconhecido no “panteão” dos grandes nomes da nossa música. Sua exclusão é tão grande, que nem a Pilantragem é reconhecida como movimento. Sua vida, sua obra se tornou nota de canto de página.
Gustavo Alonso, por fim, aponta que os chamados “erros” de Simonal faziam parte de grande parte da população: sem serem apoiadores do golpe militar, não eram também grandes críticos e levavam sua vida, como disse Ivan Lins, na “corda bomba”, com a alegria de viver brasileira foi proibida pela nata da MPB. Essa seriedade imposta foi bem criticada por Tom Zé (outro que em algum momento foi excluído e só renascido por David Byrne) emComplexo de Épico:
Todo compositor brasileiro
é um complexado.
é um complexado.
Por que então esta mania danada,
esta preocupação
de falar tão sério,
de parecer tão sério
de ser tão sério
de sorrir tão sério
de chorar tão sério
de brincar tão sério
de amar tão sério?
esta preocupação
de falar tão sério,
de parecer tão sério
de ser tão sério
de sorrir tão sério
de chorar tão sério
de brincar tão sério
de amar tão sério?
Ai, meu Deus do céu,
vai ser sério assim no inferno!
vai ser sério assim no inferno!
Ao final, o que se conclui é que a culpabilidade de Simonal é pouco relevante para analisar sua carreira ou a música brasileira da década de 60 e 70, uma vez que o “ser ou não ser” shakesperiano não produz nenhuma resposta eficaz. O importante, no caso, é que se retire a carreira e o nome de Simonal da lama em que foi inserido, sem que no entanto, se reconfigure o discurso oficial da MPB: pra ter o lugar que merece em nossa história, Simonal não precisa ser inocentado, perdoado nem anistiado, pois mesmo que tenha havido alguma culpa, ela já foi mais do que expiada no decorrer de sua vida. A questão aqui é colocar luz onde há escuridão e mostrar que a multiplicidade de movimentos musicais brasileiros, incluindo a Pilantragem, não podem ser soterrados por conta da formatação de um discurso oficial de uma minoria culta e detentora do grande poder da nossa civilização que é a cultura.
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segunda-feira, 15 de abril de 2013
Página no Facebook
Foi criada uma página no Facebook para o livro "Simonal: quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga". Acesse AQUI.
segunda-feira, 8 de abril de 2013
Participação no Sem Censura
sexta-feira, 8 de março de 2013
Boa resenha de autoria de Rodrigo Zafra sobre o meu livro "Simonal: quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga" publicado no site Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/resenhas/204226
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Simonal: o cantor que o Brasil condenou
Rodrigo Zafra 25/01/2013
No
Brasil dos anos 80, da passagem do regime ditatorial para o
presidencialismo, a anistia, ampla e irrestrita, para os militares e
civis, englobou a quase todos, com exceção de um homem. Para este, de
nada adiantaria uma lei a suavizar os efeitos de quase 20 anos de
excessos – de ambos os lados – se seu julgamento e condenação vieram por
meio da sociedade, que o fez de bode expiatório. Estamos falando do
cantor Wilson Simonal de Castro, ou simplesmente Simonal, que tem sua
vida e o ambiente que o cercou esmiuçados na substanciosa biografia
“Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”, de Gustavo
Alonso.
Nosso povo, tão carente e tão devoto de ídolos, também é capaz de ser
cruel e execrar aqueles a quem considera personas non gratas, buscando,
em último recurso, expeli-los da memória nacional. Durante quase três
décadas foi assim com Simonal, até a sua morte, em 2000. Impossível que,
mesmo as gerações mais novas, não conheçam a história que ficou cravada
junto ao seu nome: a de que ele era informante da Ditadura Militar e
ajudou a delatar artistas. Mas, aos poucos, a história vai sendo
revolvida, e muito da certeza de “culpa” atrelada ao cantor vai caindo
por terra. Um trabalho lento, que não atinge grande parte da população,
porém eleva a nossa história a novos patamares.
Foi assim com o vibrante documentário “Simonal – ninguém sabe o duro que
dei” (2009), de Micael Langer, Calvito Leal e Cláudio Manoel, onde
vemos as performances de Simonal com suas músicas, ouvimos depoimentos
de personalidades que conviveram com ele, e somos apresentados ao
depoimento exclusivo do ex-contador do cantor – o pivô de uma situação
que leva à história atrelada por tanto tempo ao nome Simonal. Neste
“Quem não tem swing...” (Editora Record, 2011), somos levados a uma
viagem no tempo através de uma excelente pesquisa e compilação de como
era o Brasil e, principalmente, a área cultural nas décadas de 60 e 70.
Um trabalho de fôlego, repleto de referências, que procura, por meio de
paralelos, mostrar que, no período, situações enfrentadas pelo cantor
ocorreram com outros artistas, mas cada um teve tratamento diferente,
seja pela mídia, pelos colegas de profissão ou pelo público.
Ao contrário do que se possa pensar – e que é refutado veementemente
pela pesquisa –, Simonal não sofreu preconceito racial. Mesmo que em
entrevistas concedidas alguns anos antes de sua morte ele tenha abordado
a questão, mais para tentar despertar compaixão, e tenha levantado a
bandeira com a música Tributo a Martin Luther King, em parceria com
Ronaldo Bôscoli ([…] Cada negro que for/ Mais um negro virá/ Para lutar/
Com sangue ou não/ Com uma canção/ Também se luta irmão [...]), essa
tese não pode ser usada para se entender sua brusca e acentuada queda.
Ao longo do texto, somos levados a, se não concluir cabalmente os
motivos que fizeram de Simonal indesejável para a esquerda e a direita
nacional, no mínimo compreender o período por meio de uma gama enorme de
informações e detalhes contextualizados pelo autor minuciosamente. Para
isso, Gustavo Alonso cria relações interessantes ao analisar o papel do
cantor em foco com o de outros famosos que não necessariamente eram
ligados às esquerdas ou de apoio ao regime, como no caso de Chico
Buarque e Pelé. No caso do primeiro, o processo de construção de sua
persona midiática, de apoio a luta contra o regime ditatorial, se deu à
revelia do próprio Buarque, favorecido tanto pela imprensa quanto pelos
colegas cantores engajados, mas este soube aproveitar o momento e usá-lo
bem em seu proveito, tendo ficado marcado na memória dos brasileiros
como o principal cantor da resistência. No caso do segundo, mesmo nunca
tendo levantado a bandeira contra o racismo ou pouco se posicionado
quanto a outra questão social, e sendo por diversas vezes atacado pela
turma do jornal Pasquim por sua falta de engajamento, Pelé sempre foi
visto como um ídolo, independentemente de seu quase nulo posicionamento
em relação às mazelas sociais. Fatos como estes abordados – falta de
engajamento com a esquerda e de questões sociais – foram relevados no
caso de outros famosos, mas amplamente utilizados contra Simonal.
Resumindo a questão, Simonal, um dos cantores de maior apelo popular no
final dos anos 60 e início dos 70, dono do maior contrato de publicidade
já assinado por um artista nacional, foi acusado por seu ex-contador de
tortura, e de ter utilizado policiais do DOPS para isso. Simonal
acusava, anteriormente, o então contador de estar lhe dando desfalques
que estavam minando suas finanças. A partir daí, o caso virou de
polícia, repercutindo imediatamente para a imprensa. Esta, por sua vez,
remexeu o assunto maciçamente, principalmente após o cantor virar réu de
um processo em que era acusado de ser mandante da tortura contra o
ex-contador. Para piorar, uma declaração de Simonal em delegacia, na
qual dizia ser há muito informante do DOPS, foi veiculada pelos jornais,
repercutindo negativamente no público. Isso foi em 1970, e desde então a
carreira de Simonal entrou em ostracismo.
Além dessas questões, a carreira artística e os fatos bons na vida de
Wilson Simonal, também são analisados em detalhes, para deleite de quem
já é fã do cantor, ou para surpresa de quem teve pouco ou nenhum contato
com a obra do líder da chamada “Pilantragem”, termo cunhado por Carlos
Imperial – principal mentor do movimento e descobridor do talento de
Simonal. Sobre a “Pilantragem”, vale ressaltar a importância histórica e
maior apelo popular à época que outro movimento contemporâneo
encabeçado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, a “Tropicália”. Por causa
da bem sucedida tentativa de apagar Simonal da memória popular, a
“Pilantragem” também foi esquecida, não sendo lembrada – ou pouco dito a
respeito – nos livros sobre música popular brasileira.
Dono de uma voz poderosa, Simonal passeava por múltiplos estilos
musicais. Sabia escolher repertório de apelo popular e ao mesmo tempo de
qualidade, o que só fazia a venda de seus discos continuamente
aumentar. Além disso, era capaz de interpretações marcantes e ímpares, a
ponto de interferir nas letras e formas de cantar suas canções (“País
Tropical, de Jorge Ben, é o exemplo mais notório). Simonal foi, com seu
estilo esbanjador e sem se importar com as consequências, seu principal
amigo e inimigo. Esquecido pela história até pouco mais de uma década
atrás, hoje seu legado, muito por interferência direta dos filhos –
Simoninha e Max de Castro –, vem sendo resgatado. Fato é que no
encerramento das Olimpíadas de Londres, Simonal veio à tona: Seu Jorge
interpretou, para o Brasil e para o mundo, “Nem vem que não tem”.
Com mais de 450 páginas, o livro do historiador Gustavo Alonso é fruto
de um trabalho de conclusão de curso de seu Mestrado em História pela
Universidade Federal Fluminense em 2007. Conta com extensa pesquisa
bibliográfica, em jornais, revistas e vídeos, e entrevistas de campo.
Louvável o trabalho da editora ao manter o estilo acadêmico de
formatação do texto, sem querer partir para um apelo mais “comercial”, o
que certamente acarretaria prejuízo ao texto e não teria sentido sem as
múltiplas referências que dão a base. O livro é dividido em capítulos.
Os pares funcionam como uma minibiografia de Simonal, desde seu
nascimento até o início da vida musical. Os ímpares reconstituem o
período de ascensão e queda do cantor, bem como o ambiente e os
personagens contemporâneos. Ao final, reúne anexos como a entrevista de
Simonal ao Pasquim, documentos do DOPS e a sentença final do processo
no qual foi réu. Há ainda a discografia completa.
“Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga” é livro
fundamental não só para quem quer rever ou conhecer a obra do cantor; é
um inventário histórico de um período que precisa ser resgatado em
detalhes, para que não se fique apenas com a verdade oficial dos livros
de história e suas generalizações – perdedores e vencedores, como
comumente acontece. Nisso, este livro passa longe. E mais perto da
verdade do que muita gente gostaria.
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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
A construção social dos regimes autoritários
Um artigo sobre Simonal foi produzido por mim para o livro "A Construção social dos regimes autoritários: Brasil e América Latina", organizado por Denise Rollemberg e Samantha Quadrat. Trata-se de uma versão bem reduzida do exposto no livro "Simonal: quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga".
O sociólogo Celso Barros, através do site Amalgama, fez um ótimo balanço do livro. Referindo-se ao artigo sobre Simonal, escreveu:
"O texto de Gustavo Alonso sobre Simonal
faz duas coisas: em primeiro lugar, na mesma chave de Rollemberg,
discute a construção de uma memória da MPB como trilha sonora da
resistência: boa parte da música brasileira no período da ditadura
passou ao largo do debate entre tropicalistas e compositores de
protesto, como mostra o sucesso impressionante de Simonal, que investiu
em uma imagem de sujeito atrevido, malandro, pilantra (bastante semelhante, me parece, à imagem atual dos rappers
americanos). Mas é fácil encaixar isso na teoria da MPB como trincheira
se aceitarmos a ideia de que Simonal era só um dedo-duro da ditadura.
Nesse ponto, Alonso empreende um trabalho investigativo com resultados
surpreendentes. Leiam o livro para entender do que se trata. Mas adianto
que, embora sua argumentação tenha me convencido de que Simonal
provavelmente não era informante, não fiquei com a impressão de que
fosse lá um sujeito muito excelente".
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