segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Breve Comentário sobre o Livro "Simonal - quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga"

por Edmilson Alves Maia Junior - Professor da Universidade Estadual do Ceará

Acabo de ler o livro "Simonal - quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga. "Wilson Simonal e os Limites de uma Memória Tropical" de Gustavo Alonso. Nunca, NUNCA, a construção da "memoria da resistência" a ditadura na dita MPB foi levada a contento e a fundo como nessa obra! O argumento central e inédito, um verdadeiro achado historiográfico enquanto problema de análise, foi perceber as contradições dessa "memoria da resistência" e sua ligação com Simonal. O autor com isso criou uma chave para lançar luz sobre um tempo tão cheio de jargões.

Excelentes reflexões, baseadas no diálogo com as fontes e numa solida discussão teórica da memoria, para contextualizar e explicar como foram feitas seleções para glorificar artistas e transformar Simonal num bode expiatório da memoria - um caso exemplar de como não se deve comportar um artista engajado. Simonal dedurou? Qualquer que seja a resposta o que está em jogo não é isso. E sim como foi criada uma teia de argumentos para canonizar comportamentos e lugares sociais numa legitimação politica e simbólica dos que crucificaram o cantor. De certa forma ele foi um caso extremo pois o que não era a chamada MPB não era digno para esses críticos intelectuais e setores da classe media em especial. Talvez aqui a unica critica ao livro que vejo no momento atual em que ainda estou impactado pela leitura [risos]: o titulo não dá conta do argumento central. Simonal é o ponto de partida, mas o objeto de investigação do historiador, ao meu ver, são as tramas da "memoria da resistência" da MPB. É a analise de sua sacralizaçao a todo custo.

Não há certo nem errado. Bandido e mocinho. Verdade e mentira. Há um esforço inteligente de desmistificar noções absolutas como a idéia de Elis, Caetano Chico e outros como hérois da resistência sem contradiçoes e ligações com a Indústria Cultural e aspectos da modernização conservadora do período. A objetividade é garantida pela capacidade do autor em trazer a tona(a década de 1970, em especial, nos chega através das vozes de seus atores) e em explicar como os próprios sujeitos se imaginavam e como foram criadas versões dos fatos (para além dos artistas inclusive) com a intenção de serem A VERDADE do período, e que se impuseram no sentido de criara imagens da época negando e escamoteando as ricas e tensas negociações e sentidos do contexto da ditadura no pais...

Junto com o livro de Paulo Cesár de Araujo (Eu Nao Sou Cachorro Nao) temos uma reflexão de altíssimo nível sobre os preconceitos de criticos, intelectuais, universitários que criaram uma mitologia em proveito próprio e algumas vezes com a inusitada cumplicidade de setores conservadores como a Globo. Aqui cabem questões: porque a globo tão mal-famada pelos setores criticos era ao mesmo tempo muitas vezes cortejada pelos artistas da MPB para exporem suas produções? Ou ainda: porque a campanha da Globo em destruir Simonal nao foi vista como algo a ser questionado como autoritário? A resposta está no livro: por motivos diferentes os engajados e sua pretensa arqui-inimiga se uniram pra usar Simonal como forma de legitimarem seus projetos.

O livro, ao meu ver realiza, uma devassa da construção de um imaginário auto-glorificante permeado de silêncios e intenções ate aqui nunca debatidas. Ou seja, na minha opinião, o texto de Gustavo Alono é um estudo da montagem de um outro tipo de ditadura: a da memória montada passo a passo desde os anos 1970 que despreza tudo que não se enquandrou/se enquadra na definição da MPB como única forma válida de musica no período ditatorial por ser, ter sido, supostamente, uma força de resistência.
Temos, por um certo ponto de vista, uma geração passada a limpo nesse texto. Obra que, como a do já citado Paulo Cesar de Araujo, abrem muitas possibilidades para o que interessa mais: o estudo das complexas relações entre Arte, Projetos Políticos, Modernização Conservadora, Industria Cultural e Sociedade. Tudo isso feito através da necessária desconstrução de mistificações e usos do imaginário e da memoria acerca da ditadura - não para chegar a uma verdade melhor e sim entender o conteúdo e processos das representação feitas.

LEIAM! Pelo amor de Deus... [risos]. Leiam. A inteligência, o rigor e a capacidade de questionar que devem mover os trabalhos acadêmicos comprometidos com uma Historiografia que procura não consagrar preconceitos e sim tentar compreender, se autocompreender também, agradecem a Gustavo Alonso pela coragem e, principalmente, pela pertinência dos argumentos e pelo constante senso critico!

PS: Fico imaginando se o autor não ganhou desafetos pelo Brasil, e no Rio de Janeiro em especial, ao, na minha ótica, problematizar que muitos dos que hoje querem reabilitar Simonal, na época foram seus algozes e na verdade querem, com essa reabilitação, escamotear seu papel na criação de um imaginário elitista e autoritário sobre o contexto como forma de também se prestigiarem como interpretes e formadores de opinião. Creio que o autor não deu nem pelota pra isso. Mais um parabéns para ele. Hehe.

Edmilson Alves Maia Jr é autor do livro "Memórias de luta: ritos políticos do movimento estudantil universitário [Fortaleza 1962-1969]" publicado pela Editora da Universidade Federal do Ceará

AUTOR: Edmilson Alves Maia Jr.
PÁGINAS: 270
ISBN: 978-85-7282-291-6
ANO: 2008
VALOR: R$ 15,00